2024-02-02
Polimedicação é pior em idosos e mulheres, mas pode-se melhorar com análise de dados
Artigo publicado: L.M. Rocha [2024]. Polimedicação é pior em idosos e mulheres, mas pode-se melhorar com análise de dados. Público . January 31, 2024.
Alexandra Campos
publicou recentemente no Público uma reportagem muito interessante sobe o
problema da polimedicação em Portugal. Ficámos a saber que mais de um terço da população acima dos
65 anos toma mais de cinco medicamentos simultaneamente–o que remete Portugal para
o topo dos países com este problema na Europa (só atrás da Republica Checa e
Israel que também participou neste estudo europeu).
Um dos grandes
problemas da polimedicação é que os medicamentos são muitas vezes receitados
por médicos de especialidades e até de sistemas de saúde diferentes, que não
recebem alertas sobre outros medicamentos já receitados ao mesmo paciente. Além
disso, frequentemente os médicos não estão cientes das muitas interações
nocivas entre os vários medicamentos que são conhecidas, estabelecidas
cientificamente e publicadas em bases de dados públicas–não se trata sequer de
potenciais interações desconhecidas que obviamente não podem ser usadas como alertas,
mas cujo risco aumenta com polimedicação.
O nosso grupo de
investigação tem-se especializado em analisar o problema das interações nocivas
na polimedicação, com projetos patrocinados nos últimos 10 anos pelos National Institutes
of Health nos EUA e também a nível nacional pela Fundação para a Ciencia e Tecnologia (FCT). Para perceber a escala do problema das interações medicamentosas,
avaliámos os cuidados primários em populações distintas de três continentes: 133 mil pacientes da cidade de Blumenau no Brasil (Estado de Santa Catarina), 5,5 milhões de pacientes na Catalunha e
250 mil pacientes do maior sistema de saúde privado da cidade de Indianápolis nos EUA (Estado de Indiana). Apesar de
diferenças entre os vários sistemas de saúde–por exemplo, o formulário do sistema publico de Blumenau só inclui 140
medicamentos enquanto o sistema privado de Indianápolis inclui mais de mil–,
ficou bem claro que em todos estes sistemas as mulheres têm bastante maior
risco de lhes serem receitadas interações conhecidas, algumas muito nocivas.
Em relação a idosos, o
problema é ainda bem maior do que descrito na reportagem do Público. De facto, o
nosso último estudo (ainda em avaliação em revista científica) mostra que se os médicos
prescrevessem medicamentos aleatoriamente nas mesmas proporções, seriam
receitadas menos interações medicamentosas prejudiciais do que os números reais.
Isto é, os idosos (de ambos os sexos mas pior para mulheres) estão
potencialmente mais expostos às complicações da polimedicação do que se fossem
tirar medicamentos das prateleiras ao calhas!
Uma vez que Portugal tem maior proporção da sua
população em polimedicação do que Espanha, este problema deve ser ainda maior por cá, só
que não sabemos por não haver disponibilização desses dados. É importante
frisar que a análise desses dados leva à descoberta e recomendação de ações
especificas que podem melhorar a saúde e reduzir os custos de saúde publica. No
nosso estudo, descobrimos que se o sistema de saúde catalão substituir um único
medicamento (Omeprazole, inibidor da bomba de protões para tratamento de
refluxo gástrico) por outros medicamentos semelhantes, o risco de ser receitada
uma interação na polimedicação nesta população reduz-se em 23% para mulheres e
20% para homens, reduzindo significativamente também a diferença entre sexos
neste problema–com a substituição de um único medicamento!
A recomendação
dessa ou de outras substituições poderia ser facilmente implementada com a
introdução de um sistema de alerta robusto, na prescrição, nas farmácias ou no
acompanhamento de cada paciente. Além de melhorar a saúde dos pacientes, o que
deve ser o principal objetivo ético, a redução dos problemas inerentes à
polimedicação – especialmente numa população envelhecida – pode certamente
levar também à redução de custos. Uma estimativa conservadora que fizemos da hospitalização por interações medicamentosas,
conclui que os seus custos no estado brasileiro de Santa Catarina (população 7
milhões bem mais jovem que a de Portugal e com menos medicamentos disponíveis) ascendem
a entre 21 a 61 milhões de dólares americanos por cada 18 meses .
Contruir alertas para possíveis interações ou reações adversas em polimedicação não só é relativamente fácil de fazer, como imensos sistemas de saúde os têm. Uma vez que existe um sistema nacional de códigos de prescrição, é também possível fazer um sistema nacional de alertas integrativo para médicos no ato da prescrição, farmácias no ato da venda ou no acompanhamento de pacientes por gestores de saúde publica. No caso das interações e reações mais perigosas conhecidas, uma receita deveria acionar um alerta para que o médico confirme a necessidade de prescrever um medicamento que se sabe causar potenciais problemas graves na presença de outros já prescritos ao mesmo paciente (de que o médico pode nem estar ciente), bem como a recomendação automática de alternativas. Também o próprio paciente deveria receber alertas, já que os folhetos informativos de cada medicamento são normalmente de difícil compreensão. Preocupamo-nos muito com a privacidade dos dados, mas pouco com a ética de se prescrever polimedicação sem informar pacientes de potenciais problemas associados.
Em Portugal, mesmo contactando as entidades responsáveis ao abrigo de projetos da FCT especificamente desenhados para se utilizar a ciência de dados e a inteligência artificial na administração pública, é muito difícil obter dados de prescrição médica para investigação científica. De facto, é muito difícil saber qual a verdadeira escala deste problema, muito menos implementar mecanismos para melhorar os resultados e custos de saúde associados–ao contrário da Catalunha e Dinamarca que disponibilizam estes dados sobre toda a sua população durante décadas. Seguindo esses exemplos excelentes (que utilizam todas as normas europeias de privacidade e segurança) na utilização de dados ao serviço do bem-estar da população, está mais do que na hora de se levar a sério o problema da polimedicação, disponibilizando os dados de prescrição nacionais com vista à implementação de ações especificas para melhor servir a saúde publica nacional.
Labels: #Pharmachology, #portugal, #Research
2024-01-20
Mighty Blue Monday
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2024-01-02
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2023-11-28
Jovens Reduzidos a um Número
Nota: este artigo é uma versão mais longa (com mais dados) de artigo publicado no jornal Público no dia 27 de Novembro de 2023
Foi recentemente divulgado o primeiro estudo significativo sobre a saúde mental dos alunos da Universidade de Lisboa (UL), indicando uma situação preocupante: apenas 36,4% dos alunos se dizem motivados para realizar o seu trabalho académico, e só 14,5% se sentem bem a maior parte do tempo. Pelo menos um quarto dos alunos é identificado com ansiedade (26.4%) ou depressão (25.2%), com 15,3% qualificados em situação extrema de stress, isto é, em burnout. O estudo não foi publicado e não conhecendo a metodologia exata, a comparação com outros estudos é difícil. Mas sendo uma estimativa correta e comparável, a saúde mental na UL estará muito pior do que nas universidades americanas onde ansiedade e depressão afetam cerca de 12 e 9% dos alunos respetivamente,[LR1] mas abaixo de níveis observados no Reino unido (42,1% com ansiedade e 34,5% com depressão)[LR2] .
A subordinação e
submissão involuntária por tempo prolongado é um fator conhecido na ansiedade e depressão e na relacionada falta de motivação. Por outras
palavras, estas patologias são prevalentes em contextos em que as pessoas não
têm controlo sobre as suas vidas, especialmente em jovens. Não é, pois, de estranhar que depois de tantos
anos num sistema educacional onde têm pouca escolha ou controlo sobre a sua
vida, tantos alunos se sintam desmotivados e com patologia mental severa.
A filósofa de
educação italiana Maria Montessori, disse em 1951 na UNESCO que as “crianças e
jovens são uma população sem direitos que é crucificada em bancos de escola por
toda a parte e que---apesar de toda a nossa conversa sobre democracia,
liberdade e direitos humanos–está escravizada
na ordem escolar, por regras intelectuais que nós lhe impomos.” Também Paulo
Freire, na sua pedagogia dos oprimidos de 1968, qualificou o sistema de
educação tradicional como “educação bancária,” onde alunos são “como um cofre vazio em que o professor acrescenta
fórmulas, letras e conhecimento científico até [os] ‘enriquecer’.” É assim que muitos educadores modernos ainda pensam a
escola, daí tanta conversa sobre medir “aprendizagens perdidas”– como se o conhecimento fosse descarregado em fardos de conteúdos
platónicos para professores depositarem nos cofres vazios dos alunos, em vez de
um processo corpórea de pesquisa automotivado como é visto pela ciência cognitiva.
Infelizmente, como Montessori, Freire e outros argumentaram, esta forma de organizar a escola cria um diferencial de poder entre aluno e professor/sistema educativo que retira ao aluno o controlo sobre a sua vida, a sua agência humana, tão importante para a saúde mental. O objetivo desta submissão involuntária imposta aos alunos, será produzir trabalhadores submissos que aceitem desigualdade e injustiça com naturalidade – argumento desenvolvido por estes e outros pensadores, como Daniel Greenberg ou Louis Althusser, mas fora da razão deste artigo.
Existem muitos
pontos na educação portuguesa onde se poderia substituir professores-autoridade
“descarregarregando aprendizagens”, por pesquisa corpórea e automotivada. Do
infantário à universidade, a escolha curricular, empenhamento físico e
automotivação deveriam ser a norma, não a exceção. Mas foco-me no ápice da educação pré-universitária, quando após 12 anos com
raras oportunidades de escolha e automotivação sem ser fora da escola, cada
aluno fica marcado e reduzido a um número: a sua média de notas (de cadeiras
chave e exames). É este numerus
clausus que decide os cursos universitários a que jovens podem aceder,
independentemente da sua real vocação ou desejo. É interessante que em latim
este termo quer dizer “número fechado,” porque é realmente numa clausura de
difícil acesso que o nosso sistema educativo coloca a universidade. É, pois, natural
que grande parte dos jovens rejeitados da sua vocação se sintam sem
livre-arbítrio sobre a sua própria vida, seguindo-se a desmotivação como grande
fator de depressão e ansiedade.
Embora muitos defendam o numerus
clausus como a forma mais justa de selecionar os melhores alunos, é sabido
que as notas escolares dependem de fatores como escolaridade publica ou privada, dinheiro e educação da
família, e até do género (raparigas tendem a ser mais motivadas e rapazes de contextos desfavorecidos têm pior aproveitamento do que
raparigas na mesma situação.) Já os exames com tempo limitado também não escolhem necessariamente
quem é mais apto a resolver até os problemas dos próprios exames (e tendem a
enviesar a favor de rapazes.) Além disso, a pretensa meritocracia do numerus clausus é uma tautologia: o sistema académico define o
que é considerado “melhor” e depois declara que os aceites são os “melhores”. Mas onde está a demonstração que as médias e
exames mais altos identificam as pessoas mais aptas para determinada profissão?
Alguém acha que os melhores médicos se escolhem pela capacidade de receber e
memorizar “aprendizagens” de Português ou Biologia no ensino secundário?
Mais fundamentalmente
ainda, mesmo que tivéssemos uma medida perfeita de mérito (que não é possível
por não sabermos como medir e priorizar tipos diferentes de inteligência),
porquê selecionar só os melhores para determinados cursos? Quando o número de
pessoas que podem entrar na clausura é muito limitado, a falsa meritocracia (tautológica)
reduz a diversidade de pessoas treinadas para determinada profissão, sem
garantir aptidão. De facto, a maioria dos alunos que entram nos cursos com médias
de entrada mais altas – que são os que levam a profissões mais bem pagas – têm
pais com educação universitária e nível socioeconómico mais elevado. Portanto,
o numerus clausus reduz a diversidade propagando privilégio e elitismo.
É importante frisar que o
numerus clausus não é a única forma de organizar o acesso ao ensino
superior. Nas universidades de topo dos EUA a nota de exames é opcional, sendo o acesso decidido por fatores múltiplos como currículo académico, entrevista, atividades
extracurriculares, ensaio, etc. Na Bélgica e na França, que levam o direito
constitucional de acesso à universidade a sério, os alunos entram no curso que
querem (com algumas restrições para cursos como medicina e engenharia civil).
Críticos do
sistema de acesso livre vigente na Bélgica e na França, avisam que nesses
sistemas o entrave simplesmente acontece mais tarde, porque os alunos têm de
passar provas difíceis após os primeiros anos na universidade, havendo quem tenha
de mudar de curso ou mesmo não acabe a universidade. Mas a comparação com
Portugal não mostra isso. Segundo dados da OCDE, a percentagem de alunos que não completam o
curso em que entraram (após 3 anos da duração teórica do mesmo) é de 72% em
Portugal, 71% em França, e 68% na Bélgica Flamenga---na Bélgica Francófona o
valor é 52%, mas não é diretamente comparável porque se refere apenas a escolas
de elite (hautes écoles e écoles des arts), enquanto nos outros
países se refere a todos os bacharéis/licenciaturas. É importante notar que no caso da França e da
Bélgica os alunos entram nos cursos que quiserem, enquanto em Portugal a base
da proporção apresentada refere-se apenas aos alunos que passam o numerus
clausus. Isto é, mesmo impedindo grande parte dos alunos de entrarem no
curso que querem, a proporção de alunos em Portugal que termina os cursos em que
entram é muito semelhante à de países onde entram todos no curso que querem!
Mas a situação é
ainda mais embaraçosa se considerarmos a proporção de alunos que termina um
curso STEM (ciência, tecnologia, engenharia ou matemática), no mesmo (ou
noutro) campo e nível, mas não necessariamente no curso em que primeiro
entraram: cerca de 63% (71%) em Portugal contra 74% (77%) na Bélgica Flamenga
(OECD não apresenta estes dados para França). Em suma, muito menos alunos
acabam cursos STEM[1] em
Portugal após numerus clausus, do que na Bélgica Flamenga onde os alunos
entram no curso que querem após terminar o secundário! Isto é, não há qualquer
vantagem em excluir à partida alunos dos cursos em que eles querem entrar,
retirando aos jovens o controlo sobre as suas próprias vidas, com enorme custo
para a sua saúde mental e realização pessoal.
É importante
frisar que é uma decisão política não dar aos jovens maior controlo sobre a sua
educação e acima de tudo bloquear escolhas importantes para a sua vida futura. Apesar da revolução de abril há quase 50 anos, e a
promessa de acesso ao ensino superior para todos da constituição que se lhe
seguiu, não houve ainda revolução do modo de ensino. Continuamos a querer
produzir trabalhadores submissos e habituados a conviver com a desigualdade da
autoridade, com grande custo para a sua saúde mental e realização pessoal. Não tem de ser assim, não temos que nos habituar a tudo. Se queremos criar agentes de mudança
saudáveis, com garra para a inovação, temos de começar por dar aos jovens maior
controlo sobre as suas vidas, em vez de os reduzir ao número que os fecha fora
da sua vocação e motivação.
[1] Noto que a proporção de alunos que
completam cursos STEM é muito pior para homens do que para mulheres, 59% para
80% em Portugal e 67% para 85% na Bélgica Flamenga. Um assunto importante, mas
separado.
[LR1]Pedrelli, P., Nyer,
M., Yeung, A. et al. College Students: Mental Health Problems
and Treatment Considerations. Acad Psychiatry 39,
503–511 (2015). https://doi.org/10.1007/s40596-014-0205-9
Labels: #cognitivescience, #Conhecimento, #Educação, #mentalhealth
2023-08-08
Shake it!
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2023-01-27
What a Street Feeling!
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2022-12-27
Hey City Zen 2022
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2022-12-19
Conhecimento não é descarregado
Labels: #Educação #Conhecimento
2022-11-16
The universal part is powerful
"'To restore the republic everywhere' is to restore every citizen to the command post in each of us. We are more than men and women, more than rich and poor, more than believers or atheists, more than Christians or Muslims, more than black or white, more than heterosexual or homosexual, more than individual persons: we are citizens. There is a universal part of us that fades away when we don't cultivate it, when we don't regularly make the effort to get out of ourselves".
The Style Council - Walls Come Tumbling Down (Live Aid)
Labels: #Citizenship, #politics, #Republic, #Unity, #universality
Antirracismo seria desconstruir a raça. Meu nome é Gal!
P.S. Meu nome é Gal! Viva o tropicalismo, verdadeira antropofagia de libertação, onde todas as raças são devoradas até à irrelevancia. Bullworth said it best.
2022-08-27
Homem Rock Liberta-te!
Labels: #Music
2022-03-03
Systems Anarchist?
Labels: #Anarchism, #politics, #Society
2022-03-01
Ser emigrante português é ser cidadão de décima classe e deixa muitos democraticamente apátridas
Publicado em Público, 22 de Março de 2022.
A controvérsia sobre o voto da emigração que foi anulado e levou à remarcação das eleições nos círculos
europeus, ofusca uma
muito maior afronta à cidadania dos emigrantes consagrada na lei eleitoral: os
seus votos contam apenas para 4 dos 230 deputados da Assembleia da República.
Segundo o Relatório da Emigração de 2020 no Portal
das Comunidades Portuguesas, em 2019 mais de 2.6 milhões de cidadãos portugueses nascidos em Portugal
encontravam-se a viver no estrangeiro − números que não incluem os cidadãos portugueses
filhos desses 2.6 milhões (os chamados, Luso-descendentes). Portanto, os cerca
de 10 milhões cidadãos residentes em Portugal elegem 226 deputados, enquanto os
2.6 milhões de cidadãos residentes no estrangeiro elegem apenas 4. Aproximadamente
44 mil residentes elegem cada deputado, mas são precisos 650 mil emigrantes
para conseguir o mesmo. Isto é, em termos de representatividade democrática, um
cidadão emigrante vale 7% dum cidadão residente. Para caracterizar esta
discrepância na representatividade de pessoas que são todas supostamente
cidadãs da mesma República, o epíteto cidadão de segunda não chega, mais
correto seria dizer que os emigrantes são cidadãos de décima classe.
É interessante
notar tantos artigos em Portugal sobre injustiças nas democracias dos outros,
mas tão pouco debate sobre este tratamento tão discriminatório de concidadãos na
nossa própria democracia. Quando tento abordar este tema oiço várias
justificações que penso valer a pena discutir. Num extremo, há quem diga que os
emigrantes nem se quer deviam ter deputado nenhum. É espantoso, mas infelizmente
comum, que haja quem abertamente defenda que se deve retirar a cidadania a
concidadãos por estarem a residir e trabalhar fora de Portugal em determinado
momento. É importante notar que não é normal que tal aconteça em democracias
ocidentais. Por exemplo, apesar dos problemas eleitorais que os media portugueses
adoram discutir, um cidadão americano não perde qualquer representatividade
democrática por viver noutro país por qualquer período de tempo−devo dizer que tenho dupla cidadania americana e portuguesa.
Uma justificação
menos extrema tem a ver com o conceito de representação material no processo
legislativo. Deste ponto de vista, os emigrantes, por não viverem em Portugal,
são vistos como cidadãos não vinculados às leis que o parlamento delibera. Isto
é, os emigrantes são vistos como cidadãos apenas simbolicamente – e não
materialmente – ligados à República.
Daí a sua representatividade dever ser apenas simbólica. Nesta perspetiva, os
emigrantes são tipo aqueles estrangeiros que gostam da seleção portuguesa de
futebol, mas não “arriscam a pele” em Portugal−não têm “skin in the game”
para usar a expressão que Nassim Nicholas Taleb tanto gosta.
Esta visão do emigrante
eternamente desterrado – e daí desacoplado materialmente da Républica −está
obviamente ultrapassada no mundo global do século XXI, especialmente para
emigrantes na União Europeia, nos países lusófonos e até nos parceiros atlânticos. Em meados do século XX talvez ainda fizesse
sentido pensar que os emigrantes fossem em barcos para portos distantes dos
quais nunca mais regressavam. Mas não é isso que se passa hoje. Os emigrantes,
que pertencem a todas as áreas e níveis de educação, vão e vêm, têm em Portugal
filhos, pais, família, propriedade, investimentos, produção intelectual e
criativa, etc. Grande parte deles estão tudo menos desacoplados da Républica.
Só uma visão
muito paroquial pode pensar que os cidadãos emigrantes não estão materialmente
envolvidos no país e que devem ser excluídos ou apenas incluídos
simbolicamente. Permitam-me partilhar um pouco mais da vida pessoal apenas para
exemplificar o tipo de relações bidirecionais, concretas comuns a muitos outros
emigrantes. Sou professor universitário e cientista há 30 anos nos EUA. Mas faço
contribuições materiais e intelectuais diretas para Portugal diariamente e, vice-versa,
é óbvio que as leis deliberadas pelo parlamento me vinculam como cidadão. Os
meus filhos, nascidos e crescidos nos EUA, decidiram viver em e contribuir para
Portugal. Porquê que o meu voto deve contar apenas 7% do voto de qualquer outro
cidadão que tenha contribuído materialmente, intelectualmente e geracionalmente
para Portugal? Noto que os EUA não retiram aos meus filhos o direito de voto a
100% para qualquer eleição no círculo nacional em que estão registados por
estarem a viver em Portugal (e terem dupla cidadania). E porque haveriam de
retirar? Contribuímos para ambos os países a todos os níveis, incluindo em
patriotismo.
Uma outra
justificação, ou receio, é que dado o elevado número de emigrantes, se estes tivessem
a mesma representatividade, Portugal poderia ser governado “por telecomando”
por quem não vive no país. Pelo que escrevi acima, é claro que pelo menos
grande proporção está materialmente envolvida, com muita “skin in the game”
em Portugal. É perfeitamente razoável que a Républica institua critérios para
que a cidadania seja mantida −por exemplo, os cidadãos americanos têm
que pagar impostos aos EUA onde quer que residam, havendo acordos bilaterais
com grande parte dos países para evitar dupla taxação. O que não é razoável é
que a cidadania seja retirada para os simbólicos 7%. Até porque a experiência
de 2.6 milhões de emigrantes deveria ser valorizada na deliberação democrática.
Afinal, quem melhor do que eles para saber porque tiveram que sair do país? Ou
quais os mecanismos que permitem fazer carreiras produtivas noutros lugares?
Pode Portugal continuar a dar-se ao luxo de ignorar esse feedback político?
Quem tem medo dele? Talvez um pouco mais de “telecomando da emigração” no poder
ajude a desenvolver um país em que os jovens não tenham que emigrar mais.
É importante
também ter em atenção que grande parte dos emigrantes portugueses não tem outra
nacionalidade. Quando Portugal lhes retira a sua representatividade,
reduzindo-a a 7% dos outros cidadãos, a grande maioria não tem
representatividade eleitoral noutro país. Ficam assim democraticamente
apátridas. Essa situação – na qual estive durante mais de 20 anos − é uma
afronta aos direitos de cidadania, e não deveria ser constitucional. Não me admira que a maioria dos emigrantes
não vote e ache esta última controvérsia hipócrita e apenas
usada para jogo partidário. Aliás, dada tamanha discriminação, advogo um movimento de desobediência
civil. Sugiro que é do interesse democrático que os emigrantes se mantenham
registados em círculos eleitorais nacionais em vez dos círculos de emigração
onde residem. Bem como organizarem-se em partidos com representação parlamentar
que advoguem pelo fim desta discriminação.
Ignorar a
cidadania dos que tiveram que sair por falta de oportunidade estará porventura
enraizada num país que no fundo ainda age como metrópole de uma Républica
imperial, com uma noção de nacionalidade desatualizada. São tiques de superioridade difíceis de ser
reconhecidos por um regime que imagina que exorcizou os fantasmas do antigo
regime. Mas quem como eu nasceu “branco de segunda” em Angola, está farto de
ser tratado como cidadão de décima classe num país para o qual já tanto
contribuiu.
Labels: #Cidadania, #Emigração, #Emmigration, #Opinion
2022-02-19
Social media helps understand sudden death in epilepsy
In a paper in the journal Epilepsy & Behavior, in a collaboration with Ian Wood, Rion Correia and Wendy Miller sponsored by the National Institutes of Health, National Library of Medicine, we demonstrate that social media, in this case Facebook, could be used to detect behaviors preceding Sudden Unexpected Death in Epilepsy (SUDEP), the leading cause of death in people with uncontrolled epileptic seizures. This interdisciplinary work involving informatics/complex systems researchers, clinical/behavioral epilepsy scientists, and supported by the Epilepsy Foundation of America, brought to light findings that are highly relevant for people living with this chronic condition. The team is currently working on a personalized web service for epilepsy, myAura, which will include diverse clinical and non-clinical data, namely self-reported patient entries regarding seizures, medication adherence, and physician encounters. This easy-to-use web service will also include the option for users to donate their social media timelines, making this data more easily accessible for larger studies.
You can read the article following the links in reference:
I.B. Wood, R.B. Correia, W.R. Miller, and L.M. Rocha [2022]. "Small Cohort of Epilepsy Patients Showed Increased Activity on Facebook before Sudden Unexpected Death". Epilepsy & Behavior. 128: 108580. DOI:10.1016/j.yebeh.2022.108580. Preprint: arXiv:2201.07552.
Labels: #DataScience, #Epilepsy, #Facebook, #Science, #SocialMedia
2022-02-04
Princípios
Riton Presents Gucci Soundsystem Feat. Jarvis Cocker - Let’s Stick Around
Labels: #politics
2022-01-20
Effective connectivity
I don't often post about our science on this blog, but it is also my Zen, I am going to start posting updates of that dimension here as well.
In a paper in the journal Journal of the Royal Society Interface, in a collaboration started long ago with Manuel Marques-Pita and Santosh Manicka, we show that a large amount of redundancy exists in how genes, proteins and other biochemical components process signals. This results in much robustness to perturbations, allowing biological systems to exist in a stable or near-critical dynamical regime, despite being composed of thousands of biochemical variables which would ordinarily result in chaotic dynamics.
The measure of effective connectivity we developed captures redundancy in automata networks and is shown in the paper to be highly predictive of dynamical regime of biochemical systems ranging from flower development to breast cancer in humans. The approach thus adds empirical validity to several well-known hypotheses in theoretical biology: 1) that canalization adds robustness to biological development put forth by C.H. Waddington, 2) that redundancy is essential for evolvability put forth by Michael Conrad, and 3) that biological organisms exist in a near-critical dynamical regime put forth by Stuart Kauffman. The new work further connects the three hypotheses by equating canalization with redundancy, providing a measure of effective connectivity based on dynamical redundancy, and further showing that this measure very accurately predicts the dynamical regime of biochemical networks.
Beyond the biochemical models we tested, because automata networks are canonical examples of complex systems, the work suggests that redundancy and canalization should be important design principles of resilient and evolvable organizations.
You can read the article following the links in reference:
Manicka Santosh, Marques-Pita Manuel and Rocha Luis M. [2022]. "Effective connectivity determines the critical dynamics of biochemical networks." J. R. Soc. Interface. 19(186):20210659. doi: 10.1098/rsif.2021.0659.
Labels: #Biology, #Complexity, #ComplexNetworks, #ComplexSystems, #Evolution, #Resilience, #Robustness, #Science