2008-08-22
Spelling Bees e semiótica do acordo ortográfico
Fico sempre estupefacto com a polémica sobre o acordo ortográfico. Compreendo os vários argumentos, e até acho muito interessante o debate sobre as vantagens de uma ortografia etimológica versus a ortografia fonética. Devo dizer que vejo a linguagem como uma ferramenta--- na tradição de Heidegger muito em voga nas ciências cognitivas modernas (por exemplo o trabalho de Andy Clark). Mais ainda, vejo a linguagem de uma forma geral como um componente essencial de processos evolucionários, mesmo os biológicos (para mais detalhes ver o que tenho escrito sobre isso). Por isso, naturalmente, estou do lado de se manter uma ortografia puramente fonética. É assim que ela é usada pela esmagadora maioria das pessoas.
A componente etimológica é muito interessante para se estudar os processos históricos da semântica, mas aí, a minoria académica que se dedica ao estudo da língua, tem que aceitar que o seu trabalho é mais de cariz filogenético, isto é, semelhante ao trabalho que os biólogos fazem para estudar as relações evolutivas entre genes e as suas funcionalidades em vários organismos na história evolucionária (a semântica do genes). Por isso têm que se dedicar aos “fosseis” literários para estudar a etimologia.
Muitos dos críticos do acordo ortográfico falam muito trivialmente da pragmática das modificações sintáticas que o acordo prevê (vendo a ortografia como uma forma de restrição sintática). Na realidade, é óbvio que existem sérias repercussões cognitivas de haver uma maior ou menor facilidade em assimilar determinada ortografia. Muitas vezes os críticos do acordo levantam o Inglês como um caso de sucesso de expansão global que, no entanto, existe sem acordos e com inúmeras variantes de uma ortografia altamente confusa. Mas o sucesso do Inglês não tem nada a ver com os méritos da sua ortografia (que em geral preserva a etimologia das palavras em detrimento da fonética), mas simplesmente com a hegemonia cultural britânica e americana.
O facto é que a aprendizagem do Inglês, com a sua ortografia caoticamente etimológica, vinda de uma origem simultaneamente latina e germânica, é extremamente difícil. Testes com crianças mostram que a aprendizagem do Inglês leva mais do dobro do tempo do que outras línguas europeias! No meu caso, vejo a dificuldade que o meu filho (agora no segundo ano) passa na escola aqui nos Estados Unidos da América. Os primeiros anos de escolaridade em Inglês utilizam a grande maioria do tempo de aula e trabalhos de casa para lidar com uma ortografia sem regras. Cognitivamente, isto é um enorme desperdício! As palavras têm que ser aprendidas uma a uma, sem a existência de regras. Por isso, só no Mundo Inglês existem concursos de ortografia para crianças (os detestáveis Spelling Bee). Por isso também, em Inglaterra, um terço de adolescentes com 14 anos não consegue ler correctamente. Estou também convencido que o ênfase dado à ortografia no mundo Inglês dificulta a aprendizagem de outras línguas, uma vez que as crianças têm que se dedicar tanto a soletrar nos primeiros anos de escolaridade.
No caso do meu filho, ele fala Português comigo e Inglês com a Mãe. Vai à escola nos Estados Unidos com aulas completamente em Inglês e passa apenas 2 a 3 meses do ano em Portugal. No entanto, de momento, lê livros em Português muito mais facilmente do que em Inglês. Para quem pensa que uma linguagem mais fonética e menos etimológica não trás vantagens, recomendo experimentar criar uma criança bilingue, e depois tentar explicar-lhe que “Fish and Chips”, em Inglês também se poderia escrever “Ghoti and tchogs”—ver artigo do Economist para perceber porquê.
P.S. A esta hora, o meu filho está a fazer o teste semanal de ortografia na escola. Esta semana, as palavras são, entre outros casos, exemplos de palavras em que o som “f” pode aparecer com “ph”, “gh” e “f”, bem como casos em que “ch” pode dar o som “sh” ou “tch” e pode aparecer escrito de várias formas. Reproduzo em baixo as palavras dos teste semanal do meu filho. Alguém ainda quer voltar ao Português anterior à reforma ortográfica de 1911?
1. chart
2. graph
3. phone
4. thick
5. trash
6. hop
7. checkup
8. chef
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10. hill
11. watch
12. sister
13. fun
14. shows
15. photos
A componente etimológica é muito interessante para se estudar os processos históricos da semântica, mas aí, a minoria académica que se dedica ao estudo da língua, tem que aceitar que o seu trabalho é mais de cariz filogenético, isto é, semelhante ao trabalho que os biólogos fazem para estudar as relações evolutivas entre genes e as suas funcionalidades em vários organismos na história evolucionária (a semântica do genes). Por isso têm que se dedicar aos “fosseis” literários para estudar a etimologia.
Muitos dos críticos do acordo ortográfico falam muito trivialmente da pragmática das modificações sintáticas que o acordo prevê (vendo a ortografia como uma forma de restrição sintática). Na realidade, é óbvio que existem sérias repercussões cognitivas de haver uma maior ou menor facilidade em assimilar determinada ortografia. Muitas vezes os críticos do acordo levantam o Inglês como um caso de sucesso de expansão global que, no entanto, existe sem acordos e com inúmeras variantes de uma ortografia altamente confusa. Mas o sucesso do Inglês não tem nada a ver com os méritos da sua ortografia (que em geral preserva a etimologia das palavras em detrimento da fonética), mas simplesmente com a hegemonia cultural britânica e americana.
O facto é que a aprendizagem do Inglês, com a sua ortografia caoticamente etimológica, vinda de uma origem simultaneamente latina e germânica, é extremamente difícil. Testes com crianças mostram que a aprendizagem do Inglês leva mais do dobro do tempo do que outras línguas europeias! No meu caso, vejo a dificuldade que o meu filho (agora no segundo ano) passa na escola aqui nos Estados Unidos da América. Os primeiros anos de escolaridade em Inglês utilizam a grande maioria do tempo de aula e trabalhos de casa para lidar com uma ortografia sem regras. Cognitivamente, isto é um enorme desperdício! As palavras têm que ser aprendidas uma a uma, sem a existência de regras. Por isso, só no Mundo Inglês existem concursos de ortografia para crianças (os detestáveis Spelling Bee). Por isso também, em Inglaterra, um terço de adolescentes com 14 anos não consegue ler correctamente. Estou também convencido que o ênfase dado à ortografia no mundo Inglês dificulta a aprendizagem de outras línguas, uma vez que as crianças têm que se dedicar tanto a soletrar nos primeiros anos de escolaridade.
No caso do meu filho, ele fala Português comigo e Inglês com a Mãe. Vai à escola nos Estados Unidos com aulas completamente em Inglês e passa apenas 2 a 3 meses do ano em Portugal. No entanto, de momento, lê livros em Português muito mais facilmente do que em Inglês. Para quem pensa que uma linguagem mais fonética e menos etimológica não trás vantagens, recomendo experimentar criar uma criança bilingue, e depois tentar explicar-lhe que “Fish and Chips”, em Inglês também se poderia escrever “Ghoti and tchogs”—ver artigo do Economist para perceber porquê.
P.S. A esta hora, o meu filho está a fazer o teste semanal de ortografia na escola. Esta semana, as palavras são, entre outros casos, exemplos de palavras em que o som “f” pode aparecer com “ph”, “gh” e “f”, bem como casos em que “ch” pode dar o som “sh” ou “tch” e pode aparecer escrito de várias formas. Reproduzo em baixo as palavras dos teste semanal do meu filho. Alguém ainda quer voltar ao Português anterior à reforma ortográfica de 1911?
Palavras de Teste de "Spelling" Segundo Ano, Lição 1
1. chart
2. graph
3. phone
4. thick
5. trash
6. hop
7. checkup
8. chef
9. our
10. hill
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Labels: bilinguism, linguagem, ortografia
2008-08-19
Liberal magnet of the week
You have to live in the Midwest to fully appreciate this---at least I didn't get it until I moved here...