2005-02-25

 

Razão de ser CityZen

Recebi um comentário que me tocou bastante. Foi em resposta a um desabafo que escrevi aqui sobre evangélicos. Não foi minha intenção ofender ninguém, mas ofendi, de facto. Peço desculpa à senhora que deixou o comentário, e a todos os que se tenham sentido também ofendidos. Vou então tentar explicar o que está por trás da minha frustração com os evangélicos. Vou tentar não ofender ninguém, mas é muito difícil dada a incompatibilidade básica que me separa do pensamento evangélico.

Não é o facto de eu não ter fé. Tenho o maior respeito por quem a tem. Se eu tivesse fé, o que até gostaria de ter, a minha incompatibilidade com o pensamento evangélico em nada se alteraria. Aliás, nenhuma posição minha se alteraria fundamentalmente. A fé é ortogonal a posições racionais e, estou convicto, até a disposições emocionais. Além disso eu aceito a grande maioria das premissas morais das religiões moderadas.

O que eu não aceito são as posições irracionais das ortodoxias Judaico-Cristãs e Islâmicas, nem tão pouco o niilismo de auto-aniquilação do Budismo. Em princípio isto poderia acabar aqui. Eu não aceito, mas não me importo nada que outros aceitem. O problema é que as tais ortodoxias têm a tendência a querer espalhar a sua posição por conversão ou mesmo por eliminação dos outros.

A meu ver o Mundo que preza a razão (ver a motivação deste blog) tem que se revoltar e actuar muito mais contra a irracionalidade fundamentalista quando (e apenas quando) esta tem efeitos nefastos sobre a dignidade e liberdade humana e atenta contra o modelo de sociedade aberta. Isto aplica-se a todas as religiões: desde o fundamentalismo Islâmico dos Talibans e do genocídio de Darfur, até ao Zionismo ortodoxo, passando pela Inquisição Católica e a queima de Bruxas por Protestantes e Católicos por essa Europa fora, etc, etc.

Mas os efeitos do fundamentalismo religioso não têm que ser tão cruéis como estes casos para serem nefastos. O pensamento evangélico tem mostrado uma grande propensidade para erodir a base racional das sociedades abertas do ocidente – principalmente nos Estados Unidos. Aí é que a tal incompatibilidade me toca pessoalmente, e daí os meus posts algo anti-evangélicos. É que eu gosto de viver numa sociedade aberta; não quero de todo viver numa teocracia.

O tal post algo ofensivo foi motivado por duas coisas. A mais importante tem a ver com o facto de eu viver e leccionar nos Estados Unidos. Por falar de Evolução e Selecção Natural nas minhas aulas, sou frequentemente atacado por evangélicos que pensam que o Darwin foi um agente do Diabo. O meu post foi essencialmente sobre este assunto, que deriva da interpretação literal da Bíblia seguida pela maioria dos evangélicos.

Esta interpretação literal é incompatível com o pensamento Católico actual por ser na realidade incompatível consigo própria. Muitas coisas incompatíveis estão escritas na Bíblia: por exemplo os mandamentos passados de Moisés estabelecem a ordem de não se poder matar e cometer adultério, mas o mesmo Moisés transmite a ordem divina de matar todos os homens, todas as mulheres, e todas as crianças menos as meninas virgens para serem violadas, quando da vingança contra os Medianitas. Obviamente a interpretação literal da Bíblia é também incompatível com as sociedades abertas.

Depois há a tendência humana de tornar a religião numa fonte de antagonismo entre os crentes e os heréticos: nós e os outros. Pelo menos o Budismo tem a vantagem (para os não crentes) de seguir uma filosofia de aniquilação do “eu”. Em geral não chateia ninguém já que os seus crentes estão mais ocupados em atingir o Nirvana (algo como “o nada em que o eu desaparece”) do que em converter os outros. Além disso, como acreditam em re-incarnação, os Budistas pensam que um dia talvez voltem como um dos “outros”, daí toda a gente, toda a vida ter que ser respeitada.

Já os descendentes de Zaratustra (Judaismo, Cristianismo, e Islão) fazem notória a divisão entre os crentes e os heréticos, entre a verdade e a mentira, entre o bem e o mal. Dependendo da versão, a ortodoxia destes grupos varia entre a necessidade de converter ou eliminar os “outros”. Aqui chegamos à segunda razão da minha reacção anti-evangélica: sinto frequentemente nas palavras dos ortodoxos o desprezo pelos heréticos e a arrogância de serem os escolhidos.

Até o meu evangélico português favorito, mesmo com o seu humor impecável e o seu dom da palavra, não consegue parar de julgar os outros. Ele vê os que não partilham da sua alegria como carrancudos, mas não lhe passa pela cabeça que se calhar e expressão deles é muito mais de espanto do que de amargura. (Quando os meus amigos evangélicos lá me convenceram a ir á Igreja deles, foi muito difícil não gritar de susto quando das explosões carismáticas.) O que aborrece é ver tanto talento e tanta alegria evangélica usados para largar sentenças, mesmo no sentido de julgamento, aos outros. É raro encontrar um post dele que não seja para apontar o dedo a alguém: os soberbos, as mulheres, as meninas, os Pagãos, os próprios Cristãos, e os outros, sempre os outros.

By the way, o Zen deste blog é no sentido Pop de estado mental tranquilo. Em particular, no estado tranquilo e de alegria obtido por aqueles que se sentem bem na racionalidade da sociedade urbana, diversa e aberta que alcançámos no século XX. Aqui vão algumas dicas de alguns CityZens:

"Fix reason firmly in her seat, and call to her tribunal every fact, every opinion. Question with boldness even the existence of a god; because, if there be one, he must approve the homage of reason rather than of blind-folded fear. Do not be frightened from this inquiry by any fear of its consequences." Thomas Jefferson

"Christianity, above all, consoles; but there are naturally happy souls who do not need consolation. Consequently, Christianity begins by making such souls unhappy, for otherwise it would have no power over them." André Gide.

"The thing with Catholicism, the same as all religions, is that it teaches what should be, which seems rather incorrect. This is "what should be." Now, if you're taught to live up to a "what should be" that never existed -- only an occult superstition, no proof of this "should be" -- then you can sit on a jury and indict easily, you can cast the first stone, you can burn Adolf Eichmann, [snaps fingers] like that!" Lenny Bruce

"The faith in which I was brought up assured me that I was better than other people; I was saved, they were damned.... Our hymns were loaded with arrogance -- self-congratulation on how cozy we were with the Almighty and what a high opinion he had of us, what hell everybody else would catch come Judgment Day." Robert A. Heinlein,

"Facts do not cease to exist because they are ignored."Aldous Huxley

"Heresy is only another word for freedom of thought." Graham Greene

"Three antihuman religions have evolved -- Judaism, Christianity and Islam. These are sky-god religions. They are, literally, patriarchal -- God is the omnipotent father -- hence the loathing of women for 2,000 years in those countries afflicted by the skygod and his earthly male delegates. The sky-god is a jealous god, of course. He requires total obedience from everyone on earth, as he is in place not just for one tribe but for all creation. Those who would reject him must be converted or killed for their own good. Ultimately, totalitarianism is the only sort of politics that can truly serve the sky-god's purpose. Any movement of a liberal nature endangers his authority and that of his delegates on earth. One God, one King, one Pope, one master in the factory, one father-leader in the family at home." Gore Vidal,

"Men become civilized, not in proportion to their willingness to believe, but in proportion to their readiness to doubt."H. L. Mencken

Comments:
Muito interressante esse post!
Gostaria que conhecesse o johnpreston.zip.net, me diz o que achou... Acredito que concordará com a minha opinião.

Até.
 

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