2005-05-12
Cyborgs, naturalmente
O Henrique Raposo, em perseguição de Habermas num xadrez de personagens da filosofia política onde não entro, fala de progressistas e tecnologia. De progessistas não sei muito, mas de tecnologia vou sabendo algumas coisas. O que aqui vou escrever, é de alguma maneira um resumo de algo que já escrevi sobre tecnologia.
Henrique Raposo diz:
“...a verdadeira esquerda actual (a verdadeira esquerda progressista) actua sobre uma causa essencial: "sociedade de informação". [...] John Gray apurou na perfeição esta predisposição epistemológica: os modernos julgam que a tecnologia ajuda a transformar o Homem (nunca os homens) num ser mais inteligente e cordial. Por outras palavras, confundem "Técnica" com "Conhecimento" e "Ética".”
Mas tecnologia, conhecimento, informação e ética são de facto, se não conceitos inseparáveis, pelo menos de tal modo interligados que a sua separação é apenas possível em contextos específicos ou feita de forma superficial.
A história da humanidade é a história da tecnologia. Outros animais utilizam ferramentas, mas só os humanos incorporam (mesmo num sentido físico e cognitivo) ferramentas em todos as facetas da vida. O conhecimento não está apenas no nosso cérebro; está também distribuído pelos ambientes e ferramentas (tecnologia) que fabricamos.
Um exemplo muito usado pelo Andy Clark é o do relógio de pulso. Quando perguntamos a uma pessoa: “tem horas?” Em geral, a pessoa responde que sim mesmo antes de ter visto o relógio. Isto é, incorporou a ferramenta (o relógio) no seu próprio corpo. Apesar de não saber realmente as horas no seu cérbero, sabe que o seu corpo contém uma ferramenta (o relógio), sempre acessível que lhe dá essa informação.
De facto, o relógio (e muitas outras ferramentas) transformaram-nos profundamente (ver o livro do Andy Clark “Natural Born Cyborgs”): na cognição, na organização da sociedade e mesmo na ética. Antes dos relógios serem tão acessíveis, o nosso conceito de tempo e a nossa organização de tarefas diárias era muito diferente -- bem como a nossa própria ética de trabalho. Pode-se até dizer que a revolução industrial foi possível apenas com a estandardização temporal que os relógios mecânicos possibilitaram.
Agora vejamos como as novas tecnologias de informação nos estão a alterar a cognição. Quando nos habituarmos a ferramentas que tornam a Internet permanentemente acessível e portável, por exemplo o Google SMS, não está mesmo aí o dia em que se o Henrique me pergunta “sabe do Habermas?”, eu responderei, correctamente, que sim -- mesmo sem nunca ter ouvido o nome? Tal como a informação do tempo vem do meu relógio, todo o conhecimento da Internet estará acessível permanentemente –- como uma memória guardada no meu próprio cérbero.
Por sermos assim, tão naturalmente Cyborgs, é que a ligação entre técnica, conhecimento e ética, não é apenas uma confusão progressista. O que é uma grande fantasia (Cartesiana, diria eu) é pensar-se que o conhecimento e ética são independentes da nossa tecnologia e a sua interacção com os nossos corpos. Nós fabricamos a tecnologia, mas a tecnologia também nos fabrica.
Eu sei que isto é chato para o pessoal que gosta de contar os livros que tem nas estantes, mas também houve em tempos quem preferia relógios solares...Olhem, talvez um dia a Bomba acorde assim:
P.S. Eu até li o Habermas, diletantemente, mesmo em artigos e livros de papel.
P.S.2. Yeah, yeah, "Heidegger, Heidegger was a boozy beggar, who could think you under the table..., "
Henrique Raposo diz:
“...a verdadeira esquerda actual (a verdadeira esquerda progressista) actua sobre uma causa essencial: "sociedade de informação". [...] John Gray apurou na perfeição esta predisposição epistemológica: os modernos julgam que a tecnologia ajuda a transformar o Homem (nunca os homens) num ser mais inteligente e cordial. Por outras palavras, confundem "Técnica" com "Conhecimento" e "Ética".”
Mas tecnologia, conhecimento, informação e ética são de facto, se não conceitos inseparáveis, pelo menos de tal modo interligados que a sua separação é apenas possível em contextos específicos ou feita de forma superficial.
A história da humanidade é a história da tecnologia. Outros animais utilizam ferramentas, mas só os humanos incorporam (mesmo num sentido físico e cognitivo) ferramentas em todos as facetas da vida. O conhecimento não está apenas no nosso cérebro; está também distribuído pelos ambientes e ferramentas (tecnologia) que fabricamos.
Um exemplo muito usado pelo Andy Clark é o do relógio de pulso. Quando perguntamos a uma pessoa: “tem horas?” Em geral, a pessoa responde que sim mesmo antes de ter visto o relógio. Isto é, incorporou a ferramenta (o relógio) no seu próprio corpo. Apesar de não saber realmente as horas no seu cérbero, sabe que o seu corpo contém uma ferramenta (o relógio), sempre acessível que lhe dá essa informação.
De facto, o relógio (e muitas outras ferramentas) transformaram-nos profundamente (ver o livro do Andy Clark “Natural Born Cyborgs”): na cognição, na organização da sociedade e mesmo na ética. Antes dos relógios serem tão acessíveis, o nosso conceito de tempo e a nossa organização de tarefas diárias era muito diferente -- bem como a nossa própria ética de trabalho. Pode-se até dizer que a revolução industrial foi possível apenas com a estandardização temporal que os relógios mecânicos possibilitaram.
Agora vejamos como as novas tecnologias de informação nos estão a alterar a cognição. Quando nos habituarmos a ferramentas que tornam a Internet permanentemente acessível e portável, por exemplo o Google SMS, não está mesmo aí o dia em que se o Henrique me pergunta “sabe do Habermas?”, eu responderei, correctamente, que sim -- mesmo sem nunca ter ouvido o nome? Tal como a informação do tempo vem do meu relógio, todo o conhecimento da Internet estará acessível permanentemente –- como uma memória guardada no meu próprio cérbero.
Por sermos assim, tão naturalmente Cyborgs, é que a ligação entre técnica, conhecimento e ética, não é apenas uma confusão progressista. O que é uma grande fantasia (Cartesiana, diria eu) é pensar-se que o conhecimento e ética são independentes da nossa tecnologia e a sua interacção com os nossos corpos. Nós fabricamos a tecnologia, mas a tecnologia também nos fabrica.
Eu sei que isto é chato para o pessoal que gosta de contar os livros que tem nas estantes, mas também houve em tempos quem preferia relógios solares...Olhem, talvez um dia a Bomba acorde assim:
P.S. Eu até li o Habermas, diletantemente, mesmo em artigos e livros de papel.
P.S.2. Yeah, yeah, "Heidegger, Heidegger was a boozy beggar, who could think you under the table..., "
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