2018-07-19
On racial categories and jokes about the French team
After watching the above video from Trevor Noah, I had to disagree with him and actually be sad about the perpetuation of outdated racial categories. Trevor did take the players' Frenchness away by claiming that Africa (alone) won the World Cup. On a larger point, he really seems to be stuck on viewing everything from the prism of race---which makes sense for someone who grew up in the Apartheid regime. But race, in both Africa and Europe, is much more complex than what he paints. The idea that there is an "African race", as in "African-American" is ultimately a racist category that 19th century Europeans (indeed, including the French) pushed on the African continent and the slaves they brought to the Americas. Genetically, there is more racial diversity in Africa than in all the rest of the World combined. Same for language. It is truly reductive, and in my view racist, to lump all of Africa's diversity into a single race---that is precisely what European racists do. A rejection of that way of thinking is actually closer to the ambassador's point, than Noah's who seems to want to perpetuate the 19th century race dichotomy. BTW, I was born in Africa from people who were born in Africa, and though I am seemingly white, my genes are undoubtedly a combination of many races---a reason for that is partially explained in this BBC video (also shown below). I remember going to Apartheid Johannesburg as a kid and hating how at the airport people from my plane were directed to different lines depending on their external appearance. Trevor Noah's joke about the French World Cup team is, in effect, putting people from the same country in different lines. A better rejection of Apartheid would be to erase those categories altogether.
P.S. I do understand that in some contexts, like the US, the outdated racial categories of the 19th century still play a nefarious role. People who look African are demonstrably still treated worse than European-looking people. Because of that, in the US context, I agree that is still important to debate civil rights with the category of "African-American". But the goal should be to make that category (and other racial ones) less and less relevant towards a citizenship defined on individual freedom and collective commonwealth, as the French at least attempt to do.
Labels: #Africa, #France, #Race, #USA
2017-01-16
Soares e os retornados, ou como o Branco-de-Segunda dá em Vaca Profana
Desde a morte de Mário Soares que tenho lido vários artigos sobre a opinião que os chamados "retornados" das ex-colónias mantêm dele. Este é dos casos em que parece haver unanimidade da direita à esquerda: os retornados fazem um juízo incorreto e injusto e Soares foi o bode expiatório de uma situação trágica.
Tendo sido um retornado, refugiado da Guerra Civil de Angola, deixem-me dar um contraponto a esta unanimidade de comentário jornalístico; explicar porque sempre me senti uma vaca profana em Portugal nestes assuntos. Primeiro, digo logo à partida que não considero Mário Soares o grande culpado da descolonização---que foi nada, mesmo nada, exemplar. No entanto, como é obvio pelas cerimónias fúnebres da semana passada, ele é o grande símbolo da democracia Portuguesa que engendrou a descolonização após o 25 de Abril. Como tal, é natural que nos seus ombros se deposite simbolicamente tanto os louvores como as mágoas do regime presente e da sua história recente.
Pelo menos desde o século XIX que os Portugueses nas colónias não foram considerados como cidadãos Portugueses autênticos. A opinião destes "brancos-de-segunda" (eu nasci com essa designação que impedia acesso como igual às instituições militares, sociais, económicas e politicas portuguesas) nunca foi fator importante nas decisões dos senhores da grande quinta imperial que mantinha Portugal; eram apenas os trabalhadores dessa quinta. Muito menos contou a opinião da população considerada indígena africana cuja diversidade a Europa e América do século XIX e XX nunca compreenderam---considerando todos como negros e mestiços, nunca percebendo que há muito maior diversidade racial dentro de África do que fora dela.
O grande problema de toda a discussão que se tem em Portugal sobre a descolonização é que ela ainda assenta nesses preceitos e preconceitos colonialistas e racistas. Por exemplo, à esquerda, Daniel Oliveira diz que a descolonização "foi uma decisão que foi coletiva e largamente consensual: da esmagadora maioria dos portugueses que vivia na Metrópole, dos militares e de todos os políticos de então [...] Não seriam as exigências dos portugueses que viviam em África que poderiam prolongar por mais um dia essa guerra [colonial]." Isto é, a ideia de que a opinião (voto?!) dos "brancos-de-segunda" fosse para aqui chamada é inconcebível. À direita temos Henrique Raposo que nos diz também "meu caro amigo [retornado] tem de perceber que 'nem mais um soldado para África' não era um chavão da esquerda, era o sentimento genuíno da população." Isto é, os "brancos-de-segunda," mais uma vez, não são se quer concebidos como fazendo parte da população Portuguesa. A privação da cidadania desse grupo de cidadãos portugueses é ainda hoje internalizada---quero pensar de forma subconsciente---por comentadores Portugueses que respeito bastante tanto da esquerda com da direita! A elite de opinião política aparentemente unanime nunca percebe porque certos grupos se sentem marginalizados; a sua lógica negocia na linguagem do próprio disenfranchisement (privação de direitos) que nunca é repensada. Depois ficam admirados com a suposta falta de lógica daqueles que não se revêm na "unanimidade" de opinião---como no caso de Mário Soares e os retornados.
Mas se o tratamento euro-centrico foi mau para os "brancos-de-segunda," foi ainda muito pior para aqueles que são vistos como Africanos indígenas genuínos---como se brancos, indianos, chineses nascidos em África não o fossem também, ou, ainda pior, como se os "negros" fossem uma massa racial uniforme! Os Europeus formatados pelo nacionalismo dos séculos XIX e XX nunca perceberam a diversidade do continente e os comentadores políticos deste século usam ainda as categorias de pensamento herdadas dessa época. Daniel Oliveira diz "os povos africanos também tinham de se libertar." Quais povos africanos? A esquerda afinal aceita estados definidos racialmente? Ou só para o caso especial dos "africanos", essa conceção de uma massa escura uniforme herdada do colonialismo do século XIX? Ainda não internalizaram Nelson Mandela ou Albert Camus? Ou os Die Antwoord, Trevor Noah e Charlize Theron?
O que está aqui em causa é que os pensadores da nossa revolução, incluindo Mário Soares, pensaram e construíram a descolonização com preceitos colonialistas e racistas herdados do pior do colonialismo. Só contou a opinião dos brancos da metrópole. Os "brancos-de-segunda" tiveram que aceitar a opinião daqueles, baixando a bolinha como bons e dóceis trabalhadores da quinta que sempre foram. Quanto a todos aqueles que foram conceptualizados como africanos ("os escurinhos") que se entendessem entre si. Na realidade este laissez-faire Português do inicio da democracia representou um abandono da responsabilidade que Portugal, como governo das regiões africanas do seu império durante 500 anos, obviamente devia a todos os cidadãos da região independentemente da sua cor. Sim, o pai de Henrique Cardoso e os da sua geração queriam naturalmente o fim da guerra colonial, mas a responsabilidade criada durante 500 anos de regência não se esvanece num ano. Os Portugueses fugiram dessa responsabilidade escondendo-se atrás da mudança de regime. Mas essa é a grande hipocrisia do regime atual simbolizado por Mário Soares---aliás esta hipocrisia foi bem visível no seu funeral nos Jerónimos, esse grande símbolo do Império Português. Pois, a democracia chamou para si a grandeza dos símbolos do Império mas negou a responsabilidade que tinha sobre os povos de todas as raças que viviam sob a sua tutela durante 500 anos. Sim, queremos a Praça do Império de Salazar, mas não aceitamos qualquer responsabilidade do que se passou com os que não eram "brancos da metrópole" na altura da revolução. O que nunca se assume sobre esse abandono é que muito para além das misérias que os "retornados" passaram, a fuga das tropas Portuguesas (que de forma eficaz dominaram militarmente o produtivo território até 1974) levou em Angola a uma guerra civil entre povos africanos distintos (Ovimbundus, Ambundus, Bakongos, e outros) em que morreram mais de 500 mil civis, deixando um país corrupto em que a saúde e escolaridade infantil são do pior do Mundo!
Para que não haja dúvidas, não defendo de todo que Portugal se mantivesse como potencia colonial em Africa. Mas o que teria sido exemplar era ter considerado a opinião e o voto de toda a população no Império Português, mantendo-se a ordem por via militar até esse objetivo ser alcançado. 500 anos de domínio exigiam pelo menos uns 5 anitos de transição em que os direitos de cidadania de todos---brancos-de-segunda e indígenas---fossem considerados. A grande vergonha do regime democrático vindo da revolução Portuguesa foi que não garantiu, nem se quer tentou, a democracia para todos os seus cidadãos para além dos brancos da metrópole. As tropas Portuguesas nunca deveriam ter abandonado os territórios sem eleições locais, após exigir o cessar-fogo e desarmamento das fações militares para se atingir a independência. Isso teria sido exemplar.
O tal sistema unanime de opinião nacional mantém que uma transição mais suave não teria sido possível regionalmente. Por exemplo, Daniel Oliveira diz que algo como isto teria sido possível no inicio dos anos 60, mas não em 1975. Mas esse lugar-comum da opinião nacional nunca refere que em 1975 muitos dos vizinhos de Angola e Moçambique (Namibia, Africa do Sul, Zimbabwe/Rodésia) eram ainda colónias ou governados por minorias brancas---Zimbabwe fica independente em 1980, Namibia em 1990, e o Apartheid só cai em 1994! Isto é, havendo vontade política em Lisboa, teria sido possível um processo de descolonização de 5 ou mais anos com dignidade para todos. Se os revolucionários portugueses tivessem respeitado todos os cidadãos do Império, ao invés de olhar para o umbigo de Lisboa, Portugal poderia ter gerido apoio regional e internacional suficiente para uma descolonização diga desse nome, e não uma fuga irresponsável. Ter mantido a ordem militar um pouco mais, teria evitado uma guerra que matou mais de 500 mil civis em Angola---em comparação, a guerra colonial em todos os territórios matou 8 mil pessoas .
Deixo-vos com Die Antwoord, que só são possíveis devidos a um democrata que deve ser verdadeiramente respeitado por pensar em todos, não só no seu umbigo político e regional: Nelson Mandela. Se Soares (ou o sistema que representa) tivesse conseguido uma verdadeira descolonização democrática, a história vê-lo-ia hoje tão grande como Mandela---como o Pai de uma verdadeira democracia pós-racial no Mundo de expressão portuguesa. Mas não foi isso que aconteceu e a História sabe-o.
Tendo sido um retornado, refugiado da Guerra Civil de Angola, deixem-me dar um contraponto a esta unanimidade de comentário jornalístico; explicar porque sempre me senti uma vaca profana em Portugal nestes assuntos. Primeiro, digo logo à partida que não considero Mário Soares o grande culpado da descolonização---que foi nada, mesmo nada, exemplar. No entanto, como é obvio pelas cerimónias fúnebres da semana passada, ele é o grande símbolo da democracia Portuguesa que engendrou a descolonização após o 25 de Abril. Como tal, é natural que nos seus ombros se deposite simbolicamente tanto os louvores como as mágoas do regime presente e da sua história recente.
Pelo menos desde o século XIX que os Portugueses nas colónias não foram considerados como cidadãos Portugueses autênticos. A opinião destes "brancos-de-segunda" (eu nasci com essa designação que impedia acesso como igual às instituições militares, sociais, económicas e politicas portuguesas) nunca foi fator importante nas decisões dos senhores da grande quinta imperial que mantinha Portugal; eram apenas os trabalhadores dessa quinta. Muito menos contou a opinião da população considerada indígena africana cuja diversidade a Europa e América do século XIX e XX nunca compreenderam---considerando todos como negros e mestiços, nunca percebendo que há muito maior diversidade racial dentro de África do que fora dela.
O grande problema de toda a discussão que se tem em Portugal sobre a descolonização é que ela ainda assenta nesses preceitos e preconceitos colonialistas e racistas. Por exemplo, à esquerda, Daniel Oliveira diz que a descolonização "foi uma decisão que foi coletiva e largamente consensual: da esmagadora maioria dos portugueses que vivia na Metrópole, dos militares e de todos os políticos de então [...] Não seriam as exigências dos portugueses que viviam em África que poderiam prolongar por mais um dia essa guerra [colonial]." Isto é, a ideia de que a opinião (voto?!) dos "brancos-de-segunda" fosse para aqui chamada é inconcebível. À direita temos Henrique Raposo que nos diz também "meu caro amigo [retornado] tem de perceber que 'nem mais um soldado para África' não era um chavão da esquerda, era o sentimento genuíno da população." Isto é, os "brancos-de-segunda," mais uma vez, não são se quer concebidos como fazendo parte da população Portuguesa. A privação da cidadania desse grupo de cidadãos portugueses é ainda hoje internalizada---quero pensar de forma subconsciente---por comentadores Portugueses que respeito bastante tanto da esquerda com da direita! A elite de opinião política aparentemente unanime nunca percebe porque certos grupos se sentem marginalizados; a sua lógica negocia na linguagem do próprio disenfranchisement (privação de direitos) que nunca é repensada. Depois ficam admirados com a suposta falta de lógica daqueles que não se revêm na "unanimidade" de opinião---como no caso de Mário Soares e os retornados.
Mas se o tratamento euro-centrico foi mau para os "brancos-de-segunda," foi ainda muito pior para aqueles que são vistos como Africanos indígenas genuínos---como se brancos, indianos, chineses nascidos em África não o fossem também, ou, ainda pior, como se os "negros" fossem uma massa racial uniforme! Os Europeus formatados pelo nacionalismo dos séculos XIX e XX nunca perceberam a diversidade do continente e os comentadores políticos deste século usam ainda as categorias de pensamento herdadas dessa época. Daniel Oliveira diz "os povos africanos também tinham de se libertar." Quais povos africanos? A esquerda afinal aceita estados definidos racialmente? Ou só para o caso especial dos "africanos", essa conceção de uma massa escura uniforme herdada do colonialismo do século XIX? Ainda não internalizaram Nelson Mandela ou Albert Camus? Ou os Die Antwoord, Trevor Noah e Charlize Theron?
O que está aqui em causa é que os pensadores da nossa revolução, incluindo Mário Soares, pensaram e construíram a descolonização com preceitos colonialistas e racistas herdados do pior do colonialismo. Só contou a opinião dos brancos da metrópole. Os "brancos-de-segunda" tiveram que aceitar a opinião daqueles, baixando a bolinha como bons e dóceis trabalhadores da quinta que sempre foram. Quanto a todos aqueles que foram conceptualizados como africanos ("os escurinhos") que se entendessem entre si. Na realidade este laissez-faire Português do inicio da democracia representou um abandono da responsabilidade que Portugal, como governo das regiões africanas do seu império durante 500 anos, obviamente devia a todos os cidadãos da região independentemente da sua cor. Sim, o pai de Henrique Cardoso e os da sua geração queriam naturalmente o fim da guerra colonial, mas a responsabilidade criada durante 500 anos de regência não se esvanece num ano. Os Portugueses fugiram dessa responsabilidade escondendo-se atrás da mudança de regime. Mas essa é a grande hipocrisia do regime atual simbolizado por Mário Soares---aliás esta hipocrisia foi bem visível no seu funeral nos Jerónimos, esse grande símbolo do Império Português. Pois, a democracia chamou para si a grandeza dos símbolos do Império mas negou a responsabilidade que tinha sobre os povos de todas as raças que viviam sob a sua tutela durante 500 anos. Sim, queremos a Praça do Império de Salazar, mas não aceitamos qualquer responsabilidade do que se passou com os que não eram "brancos da metrópole" na altura da revolução. O que nunca se assume sobre esse abandono é que muito para além das misérias que os "retornados" passaram, a fuga das tropas Portuguesas (que de forma eficaz dominaram militarmente o produtivo território até 1974) levou em Angola a uma guerra civil entre povos africanos distintos (Ovimbundus, Ambundus, Bakongos, e outros) em que morreram mais de 500 mil civis, deixando um país corrupto em que a saúde e escolaridade infantil são do pior do Mundo!
Para que não haja dúvidas, não defendo de todo que Portugal se mantivesse como potencia colonial em Africa. Mas o que teria sido exemplar era ter considerado a opinião e o voto de toda a população no Império Português, mantendo-se a ordem por via militar até esse objetivo ser alcançado. 500 anos de domínio exigiam pelo menos uns 5 anitos de transição em que os direitos de cidadania de todos---brancos-de-segunda e indígenas---fossem considerados. A grande vergonha do regime democrático vindo da revolução Portuguesa foi que não garantiu, nem se quer tentou, a democracia para todos os seus cidadãos para além dos brancos da metrópole. As tropas Portuguesas nunca deveriam ter abandonado os territórios sem eleições locais, após exigir o cessar-fogo e desarmamento das fações militares para se atingir a independência. Isso teria sido exemplar.
O tal sistema unanime de opinião nacional mantém que uma transição mais suave não teria sido possível regionalmente. Por exemplo, Daniel Oliveira diz que algo como isto teria sido possível no inicio dos anos 60, mas não em 1975. Mas esse lugar-comum da opinião nacional nunca refere que em 1975 muitos dos vizinhos de Angola e Moçambique (Namibia, Africa do Sul, Zimbabwe/Rodésia) eram ainda colónias ou governados por minorias brancas---Zimbabwe fica independente em 1980, Namibia em 1990, e o Apartheid só cai em 1994! Isto é, havendo vontade política em Lisboa, teria sido possível um processo de descolonização de 5 ou mais anos com dignidade para todos. Se os revolucionários portugueses tivessem respeitado todos os cidadãos do Império, ao invés de olhar para o umbigo de Lisboa, Portugal poderia ter gerido apoio regional e internacional suficiente para uma descolonização diga desse nome, e não uma fuga irresponsável. Ter mantido a ordem militar um pouco mais, teria evitado uma guerra que matou mais de 500 mil civis em Angola---em comparação, a guerra colonial em todos os territórios matou 8 mil pessoas .
Deixo-vos com Die Antwoord, que só são possíveis devidos a um democrata que deve ser verdadeiramente respeitado por pensar em todos, não só no seu umbigo político e regional: Nelson Mandela. Se Soares (ou o sistema que representa) tivesse conseguido uma verdadeira descolonização democrática, a história vê-lo-ia hoje tão grande como Mandela---como o Pai de uma verdadeira democracia pós-racial no Mundo de expressão portuguesa. Mas não foi isso que aconteceu e a História sabe-o.
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