2021-02-18
O sexo dos anjos, ou como a complexidade das pandemias exige pensamento sistémico
Desde novembro de 2020 já morreram por Covid-19 quase 13000 pessoas em Portugal, sem contar com mortes indiretas devido à falta de atenção médica a outras doenças. É como se mais de 31 aviões Jumbo tivessem caído no nosso país. No meio da morte e devastação económica, é fácil esquecer que tudo isto se deve a um vírus 1000 vezes mais pequeno do que um cabelo humano que transitou de algum organismo para as nossas redes de alimentação, transporte, saúde, educação, economia, comunicação e governação. Já aqui escrevi que o estudo das redes que ligam rapidamente o mais ínfimo vírus à mais potente economia não tem recebido a atenção necessária no Mundo ocidental. Mas é importante perceber porque a resiliência e até a sobrevivência da nossa sociedade face a pandemias necessita de uma abordagem verdadeiramente interdisciplinar e sistémica.
Um dos sucessos da ciência tem sido a sua capacidade de delimitar problemas a uma escala apropriada aos nossos limites cognitivos. Na prática isto é feito agregando os efeitos de níveis em que não estamos interessados, assumindo que são suficientemente constantes para ser ignorados−ou considerados como condições fronteira na linguagem da física. Por exemplo, um oncologista pode na prática ignorar efeitos quânticos quando estuda a transmissão de fatores genéticos ligados ao cancro entre gerações.
Muitos problemas podem de facto ser estudados bem dessa maneira, algo que Herbert Simon atribuiu a hierarquias naturais de organização que permitem que muitos problemas sejam na prática “quase-decomponíveis.” Uma nota para lembrar que Simon foi um dos casos notáveis de interdisciplinaridade, tendo recebido tanto um Nobel em Economia como o premio Turing em computação.
A ciência estuda a natureza e sociedade delimitando-as de acordo com os níveis em que as experienciamos. Disciplinas e departamentos universitários são assim organizados desde o estudo do mais pequeno, como a física de partículas e a biologia molecular, até ao estudo da biosfera e astrofísica, passando pelo estudo de sociedades inteiras, como na economia e sociologia. O problema é que os fenómenos verdadeiramente complexos escapam a essa assunção de organização hierárquica, como demonstra esta pandemia ao emaranhar tantos níveis: desde as interações moleculares que permitiram ao SARS-Cov-2 passar para humanos, até às redes de transporte, economia e saúde publica que foram alteradas por essa transmissão molecular. Pior ainda, o vírus continua a sua evolução por seleção natural, e quanto mais se propaga, mais evolui, o que quer dizer que o seu impacto não é constante.
Como cada
cientista é tipicamente treinado a lidar apenas com um nível, ignorando ou assumindo
a estabilidade dos outros, nenhum é um “especialista” na pandemia que mistura todos
os níveis dinamicamente. Esta complexidade está por trás de imensos problemas
revelados neste contexto. Como disse Theodosius Dobzhansky, “nada faz sentido em Biologia sem ser à luz
da evolução”. Mas até o epidemiologista chefe da Suécia e proponentes da declaração
de Great Barrington
aparentemente a esqueceram. Ao proporem não controlar a propagação,
implicitamente assumiram que a transmissibilidade e letalidade do vírus se
manteria constante, esquecendo que este evolui tanto mais quanto maior for a população de pessoas
por infetar. Infelizmente
as novas variantes demonstram o perigo dessa evolução, tornando medidas anteriormente eficazes (como
confinamentos mais leves ou máscaras sociais) insuficientes
para não ultrapassar a capacidade dos sistemas de saúde antes das vacinas
começarem a fazer efeito (Figura
1).
Esquema conceptual da corrida entre vacinas e variantes mais infeciosas. Já não se trata de achatar a curva mas de ganhar tempo. Com as novas variantes, medidas de contenção anteriormente eficazes não chegam. Imagem retirada com permissão de: Petersen, M.B., et al. 2021. “Communicate Hope to Motivate Action Against Highly Infectious Sars-cov-2 Variants.” PsyArXiv. February 9. doi:10.31234/osf.io/gxcyn.
Também muitos economistas tentam separar o fenómeno epidemiológico do impacto económico e social que medidas de saúde publica têm na população. Tratando em separado estes problemas, parece-lhes óbvio que minimizar as mortes por via de confinamento poderá sair caro demais para os mais pobres. O problema é que quando a propagação fica descontrolada, a mortalidade e desolação são tais que o impacto na economia é ainda maior, especialmente nos mais pobres. Veja-se a teimosia de não fechar as escolas após relaxamento no Natal, quando tantos países europeus fizeram o contrário. Só tornou muito pior tanto o número de mortos como a economia (e daí pior impacto nos mais pobres) porque agora temos de confinar agressivamente por mais tempo−já para não falar da reputação de Portugal que está agora no Top 5 de mortes per capita por covid (países com mais de 3 milhões de habitantes) .
Mas como se pode integrar
a perícia de especialistas, treinados em níveis individuais, para otimizar a
resposta à pandemia e obter sociedades mais resilientes? A resposta passa
certamente por incluir mais pensamento sistémico. Esta aproximação iniciada no Sec. XX por
cientistas como Alan Turing, John Von Neumann, Herbert Simon, Margaret Mead e
outros, baseia-se no estudo de sistemas complexos por equipas
interdisciplinares capazes de integrar o conhecimento de cada nível necessário
ao problema. A aproximação nasceu precisamente para resolver problemas
existenciais que nenhum cientista poderia resolver sozinho, como o Manhattan Project e a decifração das máquinas Lorenz e Enigma da Alemanha
Nazi pelas equipas interdisciplinares de Bletchley Park. A metodologia tem sido extremamente produtiva
desde a sua aplicação na Economia (de Herbert Simon a Elinor Olstrom) até aos melhores modelos de previsão da pandemia de
COVID19 da atualidade.
Para formar estas
equipas é essencial treinar cientistas que sejam 1) “bilingues” em modelos
computacionais e noutra área científica especifica e 2) preparados a trabalhar
em equipas interdisciplinares. Há mais de 15 anos que dirijo um programa
doutoral nos EUA – patrocinado por um grande projeto da National
Science Foundation – para treinar este tipo de especialista. Cada aluno sai
com um duplo doutoramento em sistemas complexos e numa área de foco, desde a
física e biologia, à economia, sociologia e até a história da arte. Vários
programas semelhantes existem pelo Mundo fora, produzindo uma nova geração de
cientista e académico capaz de atravessar os níveis naturais e sociais
envolvidos em problemas complexos.
A existência
destes feedbacks entre níveis que não são separáveis é precisamente o
que define um sistema complexo como a pandemia. Para a resolver é necessário sair de caixas disciplinares e adotar pensamento sistémico. Mais do que
“especialistas” ouvidos individualmente em cacofonia, precisamos de equipas verdadeiramente
interdisciplinares que consigam atacar a pandemia em todo o seu complexo
de níveis interligados. Não é
difícil identificar quando um problema trespassa níveis e não pode ser
resolvido apenas com conceitos usados nesse nível. Por exemplo, os problemas
causados pelo fecho das escolas ou dos restaurantes no confinamento podem ser
quase totalmente resolvidos com mais dinheiro, mas a propagação da pandemia
não. Também não pode ser resolvida só pela virologia, mesmo com as vacinas.
Necessita, entre outras coisas, de alteração e regulação de comportamentos,
incluindo restrições temporárias de direitos civis.
Ficou recentemente em voga defender que não se pode deixar a ciência “colonizar” a política na resposta à pandemia. No Twitter, Susana Peralta disse-me “O confinamento não é ‘necessário’. É uma escolha política. Tem vantagens e desvantagens. Pesá-los é do domínio da política. Nós, os técnicos/académicos, devemos alertar para as consequências de cada opção política nas nossas áreas. Ao governo e só ao governo compete decidir”. Isto é, a Ciência é vista como separada da governação e as suas disciplinas consideradas como variáveis independentes. Mas os países que melhor protegeram os seus cidadãos e economia da pandemia não o fizeram a ler Max Weber, nem levantar bandeiras ideológicas leva o vírus a mudar de comportamento. Finalmente percebo aquela história dos cidadãos de Constantinopla a discutir o sexo dos anjos com o exército Otomano à porta. Tal como os romanos bizantinos, grande parte da opinião está em negação face à realidade complexa da pandemia. A nossa realidade não está em curso estável para que possamos considerar cada um dos seus níveis separadamente; a pandemia é como uma singularidade que os mistura a todos.
Veja-se por
exemplo como a comissão nacional de proteção de dados deu um golpe mortal na
aplicação de rastreio Stay Away Covid, ao deificar a privacidade como um
valor absoluto separado do seu impacto na saúde publica e economia. Especificamente,
exigiu que apenas médicos possam entrar
códigos de casos positivos na aplicação, o que tornou a aplicação inútil. Mas aplicações como esta são componentes
essenciais da aproximação sistémica das democracias da Ásia-Pacifico que controlaram
a pandemia−incluindo países tão pobres como o Butão. Seria bom quantificar quantas mortes e
desolação económica essa decisão da CNPD causou ao considerar a privacidade
separadamente do contexto da pandemia.
Não podemos continuar a
tratar a pandemia com especialistas separados por disciplina, nem tampouco focar
exclusivamente na elevação de ideais políticos como se eles pudessem sobreviver
separadamente se a pandemia continuar a evoluir descontroladamente por anos.
Não está de todo fora das possibilidades este vírus−ou outro num futuro
próximo−evoluir para algo que pode aniquilar a civilização−altura em que a
democracia será tão relevante quanto o sexo dos anjos.
Labels: #ComplexSystems, #Covid19, #Interdisciplinarity
2021-01-20
Lixívia ideológica não resolve a pandemia
Publicado em Público, 20 de Janeiro de 2021.
Quando a pandemia chegou em força notou-se um novo apreço na sociedade em geral pela matemática e ciência. Infelizmente esse apreço foi uma oportunidade perdida para integrar cientistas mais seriamente na decisão política. Aliás, nem se quer os média mudaram muito nesse aspeto. Fala-se muito na vantagem de haver diversidade de pensamento, mas quantos comentadores com formação científica vêm nos programas e páginas de opinião na televisão e jornais de referência? Não defendo a inclusão de mais pensamento científico na governação e discussão pública para autopromoção. A questão é que estes poderes fundamentais da democracia ignoram as recomendações científicas em detrimento de posições ideológicas.
O governo e
presidente—com o apoio da maioria dos comentadores e editoriais nos média e de
quase todos os partidos—têm ido sistematicamente e sucessivamente contra as
recomendações dos seus próprios cientistas. Olhando só para os últimos meses:
1) em vez de confinar em Novembro para poder relaxar mais no Natal como outros
países fizeram, o governo optou por relaxar no Natal e Ano Novo mesmo com um
numero de casos diários por milhão quase cinco vezes maior do que no pico de
Março/Abril; 2) depois deste relaxamento que se saberia ir aumentar a
transmissão comunitária, o governo abriu imediatamente as escolas e locais de trabalho
no inicio de Janeiro esperando 10 dias para reunir com o Infarmed; 3) vendo o
resultado péssimo das duas decisões anteriores, o governo apostou a dobrar num
confinamento light com escolas abertas, contra a recomendação científica
de fechar escolas para os alunos com mais de 12 anos−sabendo de novas variantes aparentemente capazes de maior
propagação em jovens.
Pois aí está a realidade: hoje Portugal é o país europeu com maior numero de
casos por milhão de habitantes−mesmo com o aparente teto falso devido à limitada capacidade de
testagem!
É importante
notar que estas decisões políticas contra as recomendações científicas têm sido
amplamente defendidas pela intelligentsia nacional. Já nem falo da
ridícula e nociva obsessão com o “modelo Sueco” há muito desacreditado pela
ciência e até pelo próprio Rei e governo sueco−uma obsessão tanto da esquerda como da direita que, não se percebendo porquê, parecem focar-se na
Suécia em vez dos países democráticos da Ásia-Pacífico que melhor responderam à
pandemia. Mas o caso de se manterem todas as escolas abertas na conjuntura
atual é particularmente ilustrativo. O consenso científico é claro: com o que
se sabe do SARS-CoV-2 e suas variantes, quando a transmissão local é elevada
como é o caso Português, deve-se fechar as escolas exceto para crianças mais
novas. Foi essa a recomendação dada ao governo pelos seus
próprios cientistas.
Mas o governo
optou por uma opção política de manter abertas todas as escolas, incluindo
universidades. Um opção amplamente defendida pela generalidade dos comentadores. Os fundamentos apresentados são essencialmente
ideológicos sobre o papel da escola pública na sociedade. Fora do contexto da
pandemia, concordo completamente com essas considerações ideológicas para evitar
lacunas na aprendizagem que agravam a desigualdade e custos futuros para os
jovens. Mas a realidade é a que temos, não a que gostaríamos de ter. Lutar
contra ela com argumentos ideológicos é algo como lutar contra a lei da
gravidade porque se acha que todos devem ter o direito de voar como os
pássaros. Lembra-me quão nocivo foi Trofim Lysenko na União Soviética e China por achar que era a
biologia que se devia vergar ao conceito estalinista e maoista de que os seres
vivos podem ser infinitamente transformados pela reeducação. Descobriu-se, com milhões a morrer de fome, que não se “educa” bananas a crescer na
Sibéria. Aqui descobre-se que nem tampouco vai o SARS-CoV-2 (e variantes)
respeitar princípios da escola pública, fronteira aberta, etc. Aliás, o
descontrolo epidemiológico só aumenta a probabilidade de o vírus evoluir para estirpes não
controladas pelas vacinas, o que seria a maneira mais sinistra da realidade se rir no fim−reality
bites, diz-se em Inglês.
É importante
também perceber que o governo e demais intelligentsia argumentam com
falsidades a decisão de manter todas as escolas abertas. Afirmam que não há
transmissão nas escolas, mas ao mesmo tempo assumem que não se sabe a origem de 87% dos contágios e o ministério da educação não publica os
dados de infeções nas escolas. Ao contrário de Portugal, a maioria dos países europeus fechou as
escolas, primeiro porque os dados mostram que transmissão ocorre nas escolas em
idades mais avançadas e segundo porque ter as escolas abertas obriga a uma
movimentação de grande parte da sociedade que mais transmite o vírus. Mas a
arrogância algo provinciana do governo e defensores é ter fé que a natureza e
sociedade se comportarão de maneira diferente em Portugal.
Naturalmente que
passar as aulas para um regime online tem custos. Mas o custo de as manter
abertas não é só um inaceitável número de mortes. Há também um impacto na própria
economia por termos agora em mãos uma situação de rotura que só tornará ainda
pior todas as desigualdades que os proponentes de se manterem as escolas
abertas queriam evitar. É importante dizer-se que o Ministério da Educação teve
a primavera, verão e grande parte do outono para preparar o sistema educacional
Português para esta vaga de inverno que se sabia que viria. Deveria ter
identificado as formas de minimizar as desigualdades inerentes ao ensino
online, nomeadamente providenciando recursos informáticos a quem precisa, treinando
o corpo docente, ou mesmo estabelecendo regimes heterogéneos de aprendizagem
(alguns na escola outros em casa). Esta falta de flexibilidade e incompetência
é agora ofuscada por um posicionamento de superioridade ideológica em relação a
outros países que fecharam as escolas. Mas não há nenhuma razão para que o
ensino online não tenha sido melhorado para colmatar muitos dos problemas
observados no primeiro confinamento geral.
No final das
contas, a não integração do conhecimento científico na governação e discussão
pública sai caro demais. É um posicionamento anticientífico não assumido. Em
última análise e na prática, não acatar as recomendações científicas (como
fechar as escolas a partir dos 12 anos) não é diferente de recomendar injeções
de lixívia, homeopatia, ou mesmo ser anti vacina. Só que o governo português
nem com um dos resultados piores da Europa recebe dos média a crítica que
compete a um quarto poder; antes pelo contrário, a intelligentsia
aprova. A pandemia demonstra mais uma vez que se pode ignorar, mas não fugir da
realidade−e quanto mais se ignora, menos se consegue fugir.
Figura 1: Mortes diárias por milhão de habitantes (média a
7 dias). Curvas de alguns países com notoriedade a ignorar o consenso
científico (EUA, Brasil, Suécia, Portugal) versus a média da EU e os países que
melhor responderam à pandemia.
Figura 3:Mortes por casos de COVID-19 por milhão de habitantes. Eixo vertical (mortes por milhão) em escala logarítmica; Taiwan com 0.3 mortes por milhão de habitantes, Portugal com 870 e Bélgica com 1756 mortes por milhão de habitantes Eixo Horizontal (casos por milhão) em escala linear; Taiwan 36 casos por milhão, Portugal com 54000 e República Checa com 83000 casos por milhão de habitantes.
2020-11-22
Privacy apocalypse or data science for the common good?
Longer, updated version of op-ed article published (in Portuguese): "Apocalípticos da privacidade vs. StayAway Covid e a ciência de dados para o bem comum." Observador. October 25, 2020.
Integration of these capabilities is even more effective against
the pandemic when public health authorities use data from individual citizen
behavior, which raises privacy issues. Truthfully, there is no effective strategy
against an airborne epidemic that does not restrict some fundamental,
individual right. The lockdown of an entire country is, after all, one of the
greatest restrictions on all freedoms that can be imposed upon the citizenry. Yet,
life itself is the most fundamental right, and death its most brutal
restriction. Hence, any public health solution requires critical thinking to
optimize temporary restrictions on fundamental rights to minimize death (and
economic recession).
Contact tracing apps based on the Google/Apple Exposure
Notification System, carry almost no privacy risk compared to popular social
media, weather, GPS/maps, messaging, or shopping apps − or even to visiting news
websites given their collection of cookie data. The big problem with contact
tracing apps is that, just like masks, they are only effective if a large percentage
of the population uses them. Hence, the pressure from governments to encourage their
use. Since it is difficult to guarantee their correct use by a sufficient proportion
of the population, however, many generalize arguing that, given privacy
concerns, it is not worth using any form of individual data to control the
pandemic.
Note, then, that while Europeans and Americans are facing or
already experiencing new lockdowns, Asian countries that use individual data to
implement the above strategy have their societies essentially open. This is the
case in Taiwan which not only used the power of its crowd-sourced
digital democracy to be among the first countries to detect and respond to
the initial outbreak, but also firmly enforces quarantine and monitors health status
(of all arrivals at the border and positive cases) via
mobile phone surveillance. It similarly makes great use of digitally
assisted contact tracing using data
from the major telecommunication companies, police, health records, and
other sources, while
furthermore making excellent efforts to ensure confidentiality.
Another country making extensive
use of individual data is South Korea, where the
government uses mobile phone and GPS data, bank card transactions, GPS, and
even video surveillance networks with facial recognition, to quickly
and effectively trace contacts of positive cases and thus contain
outbreaks very successfully, all
in a manner ethically
proportionate to the crisis in terms of privacy. South Korea had its first outbreak two weeks
before Italy, with the two countries having very similar case numbers in early
March. However, South
Korea very quickly managed to contain the contagion, but Italy (followed by all
Western countries) did not. Since then, new outbreaks continue to be
rapidly controlled in South Korea, keeping the country essentially open, but in
the West there is no such capability — only full or aggressive lockdowns can
bring transmission and death numbers down.
The Asian
response was markedly better early in the pandemic, but at the time, many
in the West suggested that cultural factors such as wearing a mask were likely the
cause of the difference. As we can see now, even with widespread use of masks
and social distance, Europe and the USA are experiencing a much larger increase
in cases. It becomes clearer now that Korean success, like other Asian
democracies, comes from legislation democratically enacted following the 2015
MERS outbreak that allows for tighter surveillance in the event of an epidemic.
Still, when one talks about the success of Asian countries
in this pandemic, it is common to hear: “but theirs is a different culture, we
Westerners would never accept such an invasion of privacy.” Yet, this belief
does not survive critical analysis, and may even suggest prejudice. First, the
same notion was often heard in March regarding the use of masks, and now we all
use them — necessity may know no law, but we can certainly make a virtue out of
it. More importantly, Western democracies have already developed systems that
go further in tracking citizen behavior. One could speak of surveillance systems
implemented to counter terrorism, but even more fundamental is the entire tax
collection system that allows governments to monitor bank transactions, income,
and much more. We accept this interference in our most private data because it
is a price we are willing to pay for the common good.
Similarly, the transaction made by the South Korean society,
in which it accepts a temporary increase in surveillance so that the State can
better respond to pandemics, is in all respects equivalent. Why shouldn't
Western democracies want to use the same social contract to save lives and the
economy? Why not pursue such deliberation democratically? One problem is that it
is now in fashion to reify privacy as if it were an absolute right, the most
fundamental right of individual freedom.
But even in a western liberal democracy, it makes no sense to
render the right to life of risk groups less important than the right to not
reveal that an anonymous infected person was less than two meters away in an anonymized
place. It makes no sense to martyr the right to gather in bars, clubs, and
other places of freedom, for privacy concerns over quarantine enforcement. It
makes no sense to sacrifice whole economies to the altar of free movement by
failing to (temporarily) control borders and travel between internal regions.
As Asian countries did after previous pandemics, we must
defend our society better in this pandemic by preparing for others, likely more
deadly, that are sure to emerge. Paraphrasing John Stuart Mill, freedom
requires an appropriate adjustment between individual independence and the
common good. In the context of a pandemic, this temporary adjustment certainly
needs a non-absolutist conception of individual privacy and freedom, since it
is individuals who spread the virus to each other.
There are no silver bullets in epidemiology, but there are better and worse results. While much more interdisciplinary science is needed to study the effectiveness of every factor, the difference in outcomes is striking. When privacy advocates frighten us about the imminent authoritarian apocalypse that using citizen data to combat the pandemic will bring (including by using exposure notification apps), what they don't say is that in countries where entries, movements, and quarantines were controlled with such technology, deaths are orders of magnitude lower than ours (see figure), society and its spaces of freedom are largely open, and the economy has suffered a much milder recession. It is said that Westerners do not accept government intrusion into their data —naiveté and denial for anyone using iOS, Android, or paying taxes. I will gladly share my proximity and location data to get to the 1 or 10 deaths per million in Taiwan and S. Korea, respectively, rather than over 1200 deaths per million in Belgium, and even worse in several US states. Not because I want more surveillance, but because I want greater freedom. Indeed, those who enjoy greater freedom at this time are the citizens of Japan, Taiwan, South Korea, New Zealand, and others in the Pacific.
Deaths by cases of COVID-19 per million inhabitants o November 22, 2020. Vertical axis (deaths per million) on a logarithmic scale; Taiwan with 0.3 deaths per million inhabitants, South Korea with 10, Italy with 815, UK with 803, Belgium with 1337, and New Jersey with 1900 deaths per million inhabitants. Highlighted line markers: 20 (green), 200 (yellow), 400 (orange), and 1000 (red) deaths per million inhabitants on vertical axis, and 10000 (red) cases per million inhabitants on horizontal axis. Some US states shown separately with blue dots. Take a moment to grasp a death toll 100 to 1000 times worse in the West in comparison to Asia-Pacific countries. Data from: https://www.worldometers.info/coronavirus/#countries |
Labels: #Covid19, #DataScience, #East, #Privacy, #West
2020-03-31
É necessário mais investimento em ciência de complexidade e resiliência para lidar com pandemias
Se há uma consequência positiva da Pandemia de COVID-19 que nos assola, é o novo apreço na sociedade em geral pela matemática e ciência. De repente toda a gente prefere ler sobre curvas exponencias em epidemiologia a ver programas na TV sobre astrologia−aliás, como mostrou ironicamente Ricardo Araújo Pereira, esta pandemia ridiculariza todas as “previsões” de horóscopos e tarots do início do ano e deveria envergonhar os canais de media que propagam essas verdadeiras “fake news”.
No entanto, apesar do novo respeito, os cientistas devem agora também frisar que os governos ocidentais, incluindo o Português, não deram atenção suficiente à ciência, previsão e gestão da sociedade moderna face a epidemias. O investimento na investigação científica em áreas interdisciplinares necessárias para lidar com epidemias−incluindo a necessária translação de conhecimento científico para as estruturas de governação e execução de saúde pública−tem sido muito aquém do necessário em Portugal, na Europa e nos EUA. Lembro-me de uma reunião há cerca de 15 anos com o então ministro da ciência (e físico) Mariano Gago por iniciativa do então Presidente da Fundação para a Ciencia e Tecnologia (o incansável) João Sentieiro. Tentei convencê-lo de que no século XXI seria necessário muito maior investimento e treino em modelação epidemiológica, uma vez que os patógenos (como o SARS-CoV-2) agora viajam rapidamente em redes biológicas, ecológicas, sociais, económicas e tecnológicas que interagem entre si de forma muito complexa. O ministro não gostou nada quando lhe disse que estar preparada para esta nova realidade era muito mais importante para a sociedade (saúde, economia e defesa) do que aceleradores de partículas no CERN à procura de bosões. Colegas cientistas na Europa e EUA têm histórias semelhantes sobre as suas conversas com dirigentes de política científica nos seus países.
Não quero com isto dizer que não se deva estudar física das partículas; aliás, todo o investimento em Ciência é um multiplicador económico e de conhecimento. A questão é que o investimento científico não é ilimitado e o estudo das redes que ligam rapidamente o mais ínfimo vírus à mais potente economia não tem recebido a atenção necessária no Mundo ocidental (não tanta como campos que foram importantes no século XX por razões de domínio militar, mas não são tão relevantes hoje). Os governantes Europeus e Americanos ainda não perceberam a complexidade das redes que nos afetam. Que a sua resposta a esta crise foi desastrosa não é uma opinião, mas um fato mensurável em vidas humanas em comparação com a reposta de países asiáticos mais perto da origem do problema. Apesar do tempo de avanço sobre Wuhan, a resposta Europeia e Americana foi muito pior que a da Coreia do Sul, Japão, Singapura, Taiwan, Macau e Hong Kong−até da resposta Chinesa após os seus erros iniciais bem graves. Por exemplo, apesar de alguns países como a Itália terem bloqueado voos diretos com a China, as pessoas viajam em rede, e como tal, voos indiretos por outras capitais fizeram-se sem qualquer avaliação dos viajantes vindos de locais contaminados−demonstrando que os governos ainda não percebem, ou não querem perceber, a complexidade das suas redes de transporte.
Os cidadãos ocidentais merecem saber porquê que as suas nações não responderam da melhor maneira possível e devem exigir um sistema de resposta a pandemias bem mais eficiente e que dê maior resiliência à nossa sociedade. Está mais do que na hora de reorganizar as estruturas de financiamento científico, passando de objetivos militares e nacionalistas obsoletos para prioridades de saúde, económicas e ecológicas transnacionais de nos afetam muito mais diretamente. Hoje o nosso inimigo mais mortal não é uma fantasmagórica nação ou sistema político, mas um vírus que entrou nas nossas redes de defesa imunitária pelas redes alimentares, de produção e de transportes que partilhamos com o resto do planeta mas que não são geridas de forma científica.
É de notar uma perda de capacidade de liderança da parte dos EUA nesta matéria. O presidente Obama tomou a iniciativa de liderar a resposta global à epidemia de Ébola em 2014, enviando recursos americanos substanciais para a fonte da crise e criando estruturas governamentais na Casa Branca para responder a crises futuras que a administração Trump encerrou. Mas o que dizer dos governantes europeus que sabendo do recuo internacional de Trump−bem como da sua terrível incompetência−não tiveram a capacidade de liderar uma resposta apropriada dado o vácuo de liderança Americana? Os países Asiáticos, aprendendo com a experiência do H1N1 em 2009, não esperaram pelos EUA para se defenderem. Portugal, apesar de ter sido razoavelmente rápido com as medidas de distanciamento social, só começou a medir a temperatura de passageiros chegando ao aeroporto de Lisboa no dia 20 de Março, quase dois meses depois da OMS declarar uma urgência global de saúde pública−a medição de temperatura não é por si só muito eficiente, mas viajei pelo aeroporto de Lisboa sete vezes de final de janeiro até meados de Março e nunca ninguém me perguntou onde e com quem estive.
Um corolário desta pandemia é que o primeiro Mundo é agora nos países da Ásia que conseguiram defender os seus cidadãos melhor. O que esperamos é que esta pandemia não seja um colapso, mas antes um grito de alerta para o Mundo Ocidental−e a Europa em particular−acordar para a realidade de interligação planetária. Quando sairmos da crise mais imediata, é essencial criar um CERN, uma ESA ou NASA, para estudar e prever não só a parte biológica das pandemias, mas também medidas que aumentem a capacidade de resposta rápida e, em última análise, a resiliência da nossa sociedade complexa a impactos de natureza vária.
Como se vê muito bem com esta pandemia, a nossa vida social e saúde pública depende imenso das interações em rede que se propagam desde o mais ínfimo patógeno até às redes de transporte, saúde, economia, ecologia e governação. A pandemia demonstra também que a saúde publica depende, e muito, de investimento em Ciencia, da capacidade de sistemas de saúde, bem como da observação e regulação de movimentos em momentos chave−tudo fatores necessários que o Mundo ocidental não tem financiado suficientemente por causa de ideologias que otimizam os custos e lucros na estabilidade, mas nos deixam completamente impreparados para crises. Tudo está interligado e a nossa sobrevivência depende de sabermos responder a uma realidade complexa em que se passa da estabilidade ao caos em poucas semanas. Estou farto de ver políticos, advogados e economistas a debater esta pandemia nos media sem ter cientistas à mesa. A realidade mostra que não integrar o conhecimento científico mais diretamente na decisão política, gestão e regulação das redes bio-tecno-socias planetárias é um desastre que se paga muito caro em vidas humanas e desolação económica.
Labels: #ComplexNetworks, #ComplexSystems, #Covid19, #politics, #Science
2020-03-22
COVID-19, The West, and Complexity: On terrible leaders and a Playlist
In the meantime, we have to witness the late and sad response of EU and USA leaders to this pandemic. No government in the West comes out looking good from this pandemic. With all the lead time they had since the outbreak, they cannot match the type of response we have seen from China, South Korea, Japan, Singapore, Taiwan, Hong Kong, and Macau. Leaders in the west still do not understand network, multilevel complexity where viruses travel in technological networks to impact our health, society and economy. The idea that they were not able to track and test travel flows out of Wuhan on transportation networks, rather than direct flights, demonstrates governments still do not understand network complexity---or don't care to.
There has certainly been loss in leadership from Obama to Trump; Obama, after all, lead the effort to contain the Ebola outbreak. For sure this does not look good for the USA. But what to say of European leaders? They cannot muster leadership if the US Emperor is a #TerriblePresident? It is even more pathetic that European leaders, who are not as terrible as Trump and know he is useless, cannot take a leadership role in this instance. I hope this is the ultimate wake-up call for the West, rather than our end--- previous civilizations have fallen from the impact of disease.
Oh, well. In the meantime, let's follow our social containment before we can regroup. Towards that, here is a #StayHome playlist for a hopeful quarantine. I am still hopeful that the younger generations will learn from this and do better than current western leaders have.
Labels: #ComplexNetworks, #ComplexSystems, #Covid19, #Music, #Pandemics, #TerriblePresident