2024-05-31

 

Anatomia da desinformação convencional: o caso dos protestos nas universidades americanas

Preprint original de artigo que saiu no Publico no dia 30 de maio de 2024.

Uma preocupação atual é o putativo perigo das redes sociais para a propagação de desinformação. São frequentes editoriais e artigos de opinião sobre os perigos da desinformação no X, TikTok, Facebook, Instagram, etc. Aliás, este é um receio recorrente sempre que há inovação tecnológica. Nos anos 90 um dos membros da minha comissão de doutoramentoJohn Dockery da Defense Information Systems Agency dos EUA–já me ensinava sobre estratégias de guerra de informação para os chat rooms do inicio da Web. Mas como é sabido nessa área, os casos de desinformação com maior repercussão são propagados pelos meios de comunicação convencionais. Não é preciso sequer ler as ideias de Chomsky sobre a fabricação de consentimento para nos lembramos que jornais de referencia como o New York Times foram a chave da propagação de mentiras sobre armas de destruição maciça que levaram à guerra do Iraque, ou mesmo na guerra atual em Gaza.

É natural os políticos e governos fazerem o enquadramento dos assuntos de forma a canalizar a opinião da população para os seus interesses. Mas quando os meios de comunicação o fazem sem base factual, perdem legitimidade enquanto um quarto poder independente, reduzindo-se a agentes de propaganda do poder oficial. Infelizmente esse enquadramento é mais a norma, do que a exceção. Por exemplo, a análise de texto das reportagens dos meios de comunicação tradicionais sobre o conflito Israelo-árabe ao longo dos anos mostra um enviesamento nítido contra Palestinosalgo já demonstrado também para os principais jornais americanos na atual guerra em Gaza, sabendo-se até que no New York Times há diretivas dos editores para instruir os jornalistas no enquadramento desejado.

A situação no jornalismo português fica ainda pior dada a facilidade de propagar noticias do estrangeiro sem confirmação direta das fontes. A tecnologia atual possibilita a receção, tradução e reprodução rápida de ideias (e até plágio de artigos) pré-fabricadas pelos principais canais de noticias internacionais (AP, Reuters, New York Times, Fox, the Guardian, etc.) Sendo eu emigrante nos EUA há muito tempo, observo também uma certa arrogância tipicamente portuguesa de fingir (ou, pior, mesmo acreditar) que se conhece intimamente a realidade política de outros países especialmente dos EUA lendo esses canais à distância. Dados os recursos limitados do jornalismo convencional nacional, a tentação de passar noticias desses canais sem comprovar a fonte será forte.  Mas este jornalismo, qual retransmissor em rede, é potencialmente mais nocivo na transmissão de desinformação do que as redes sociais, porque parte da autoridade ainda reconhecida aos média convencionais.

Um caso que me tocou pessoalmente foi a cobertura dos protestos nas universidades americanas contra a guerra em Gaza.  Como professor numa das universidades onde tem havido protestos e tratando-se do sistema académico americano que integro há mais de 30 anos, foi deveras frustrante ver a retransmissão de desinformação sobre o assunto em Portugal.  Fui vendo os alunos das nossas universidades retratados como uma elite radical, preocupando-se caprichosamente com uma guerra distante. Uma imagem em nada semelhante aos meus alunos (nos protestos ou não) que admiro tantoa composição das minhas aulas tipicamente tem proporção semelhante de cristãos, judeus e muçulmanos, um pouco menor de hindus, budistas e outros.

Um exemplo (não exclusivo) por Teresa de Sousa no Publico:  “No país mais rico do mundo, nas melhores universidades do mundo, onde os estudantes pagam as mais elevadas propinas do mundo, os jovens que as frequentam gritam (alguns) ‘morte à América.” Apesar de ser natural em qualquer protesto que “alguns” dissessem barbaridades, especialmente porque é comum protestos serem infiltrados por agitadores para os desacreditar e atacar,  esta é comprovadamente uma notícia falsa. Com origem na Fox News (a rede de desinformação convencional de Rupert Murdoch), foi depois amplificada pelo humorista Bill Maher da HBO e pelo Atlantic, e daí foi um passinho até ao jornal Público num artigo com titulo e temática muito semelhante. O problema é que o enquadramento falso dos alunos como elitistas radicais fica assim lançado na discussão do assunto em Portugal com a autoridade de um jornal importante, o que é bem pior do que se fosse feito por um cidadão comum nas redes sociais.

O enquadramento dos protestos baseou-se noutras narrativas falsas, algumas das quais projetadas da realidade portuguesa para a americana. Por exemplo, a noção que os alunos que protestavam em 1968 tinham maior legitimidade porque não queriam ir para a guerra do Vietname esquece vários factos importantes: os alunos universitários em 1968 estavam isentos da recruta, 2/3 dos soldados americanos nessa guerra eram voluntários, nas zonas de combate só 25% dos soldados eram da recruta e só 8% da população de rapazes elegíveis foi recrutada para essa guerra. Em contrapartida, em 2024, 13.4% dos homens americanos já serviu nas forças armadas americanas que nas últimas décadas têm estado praticamente sempre envolvidas em guerras no Médio Oriente. Nas minhas aulas tenho frequentemente veteranos (feridos física e emocionalmente) dessas guerras, na sua maioria começadas sobre premissas falsas fabricadas com ajuda dos média convencionais.

Além do envolvimento direto, ou de amigos e familiares, nessas guerras sem sentido, todos os Americanos estão envolvidos na guerra em Gaza. A Palestina não está distante quando é bombardeada com armas pagas pelo seu país. Israel é o maior recipiente de fundos dos EUA só este ano foram aprovados 14 mil milhões acima dos habituais 4 mil milhões anuais. Portanto, o que acontece em Gaza é da absoluta responsabilidade do contribuinte americanoisto quando em 1970 um jovem americano conseguia pagar as propinas trabalhando poucas horas semanais a salário mínimo, mas hoje precisaria de trabalhar 100 horas por semana para pagar uma universidade privada.   É precisamente por causa do dinheiro investido em seu nome que os alunos protestam (impostos, propinas e património universitário). Em democracia não é capricho exigir que o dinheiro de todos seja investido de acordo com os seus valores, o que explica também porquê os protestos não se focam tanto no Sudão ou na libertação dos reféns do Hamas, uma vez que não é neles que as universidades ou o governo americano investem, é no exército de Israel.  Mas mesmo isso é mais um exemplo de desinformação sobre estes protestos: “Os estudantes americanos não reivindicam a libertação dos reféns que ainda estarão com vida nas mãos do Hamas.” Os protestos da universidade de Columbia (os primeiros) são organizados por uma coligação de 116 grupos com visões distintas. Mas um dos grupos centrais, o primeiro que Columbia suspendeu, é o Jewish Voice for Peace que desde Outubro exige a libertação de todos os reféns. Quase todos os protestos noutras universidades o fizeram tambémincluindo os da minha universidade.

No final das contas, o enquadramento destes protestos usa desinformação para ofuscar o facto que os protestos de alunos americanos têm sempre estado do lado certo da históriaé isso que assusta o poder e a sua geração. Alguém acha hoje que a guerra do Vietname foi uma boa ideia? Mais, os protestos estudantis foram fundamentais para acabar com a segregação racialo Senador Bernie Sanders foi preso na Universidade de Chicago em 1963 nessa luta que todos hoje celebram mas na altura, mesmo Kennedy achava agressiva demais. Foram também os protestos de alunos nos anos 80  que levaram a universidade de Columbia a ser a primeira a desinvestir do regime de apartheid na Africa do Sul, numa cadeia de eventos que culminou com o Congresso norte-americano a impor sanções que acabaram com esse regime, nulificando o veto de Reagan que, tal como Thatcher, dizia ainda em 1985 que Nelson Mandela era um terrorista.

Tal como nesses momentos de protesto, é provável que estejamos realmente numa encruzilhada da História em que são os alunos a mostrar o caminho da decência. Nesta circunstância, mais do que nunca, o jornalismo convencional não deveria servir apenas a reação do poder assustado com os desejos da geração mais bem informada de semprecom acesso à inteligência coletiva possibilitada pela Internet.  Se os média convencionais não quiserem desaparecer perdendo para sempre a nova geração, têm de funcionar como um quarto poder legítimo, e não como mecanismo de propagação da propaganda do poder vigenteisso podem fazer a Internet e a inteligência artificial facilmente sem eles.


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2024-04-18

 

Slippy Body

New DJ set thinking of raving bodies under the techno or house disco ball. I have dropped all these tracks one way or another in my live DJ sets in the last 6 months or so. Tracklist and podcast below. Slippy Body is also available on E-Trash's site (Username: apollo, Password: feelingfree).



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2024-02-02

 

Polimedicação é pior em idosos e mulheres, mas pode-se melhorar com análise de dados

Artigo publicado: L.M. Rocha [2024]. Polimedicação é pior em idosos e mulheres, mas pode-se melhorar com análise de dados. Público . January 31, 2024.


Alexandra Campos publicou recentemente no Público uma reportagem muito interessante sobe o problema da polimedicação em Portugal. Ficámos a saber que mais de um terço da população acima dos 65 anos toma mais de cinco medicamentos simultaneamenteo que remete Portugal para o topo dos países com este problema na Europa (só atrás da Republica Checa e Israel que também participou neste estudo europeu).

Um dos grandes problemas da polimedicação é que os medicamentos são muitas vezes receitados por médicos de especialidades e até de sistemas de saúde diferentes, que não recebem alertas sobre outros medicamentos já receitados ao mesmo paciente. Além disso, frequentemente os médicos não estão cientes das muitas interações nocivas entre os vários medicamentos que são conhecidas, estabelecidas cientificamente e publicadas em bases de dados públicasnão se trata sequer de potenciais interações desconhecidas que obviamente não podem ser usadas como alertas, mas cujo risco aumenta com polimedicação.

O nosso grupo de investigação tem-se especializado em analisar o problema das interações nocivas na polimedicação, com projetos patrocinados nos últimos 10 anos pelos National Institutes of Health nos EUA e também a nível nacional pela Fundação para a Ciencia e Tecnologia (FCT). Para perceber a escala do problema das interações medicamentosas, avaliámos os cuidados primários em populações distintas de três continentes: 133 mil pacientes da cidade de Blumenau no Brasil (Estado de Santa Catarina), 5,5 milhões de pacientes na Catalunha e 250 mil pacientes do maior sistema de saúde privado da cidade de Indianápolis nos EUA (Estado de Indiana). Apesar de diferenças entre os vários sistemas de saúde–por exemplo, o formulário do sistema publico de Blumenau só inclui 140 medicamentos enquanto o sistema privado de Indianápolis inclui mais de mil–, ficou bem claro que em todos estes sistemas as mulheres têm bastante maior risco de lhes serem receitadas interações conhecidas, algumas muito nocivas.

Em relação a idosos, o problema é ainda bem maior do que descrito na reportagem do Público. De facto, o nosso último estudo (ainda em avaliação em revista científica) mostra que se os médicos prescrevessem medicamentos aleatoriamente nas mesmas proporções, seriam receitadas menos interações medicamentosas prejudiciais do que os números reais. Isto é, os idosos (de ambos os sexos mas pior para mulheres) estão potencialmente mais expostos às complicações da polimedicação do que se fossem tirar medicamentos das prateleiras ao calhas!

Uma vez que Portugal tem maior proporção da sua população em polimedicação do que Espanha, este problema deve ser ainda maior por cá, só que não sabemos por não haver disponibilização desses dados. É importante frisar que a análise desses dados leva à descoberta e recomendação de ações especificas que podem melhorar a saúde e reduzir os custos de saúde publica. No nosso estudo, descobrimos que se o sistema de saúde catalão substituir um único medicamento (Omeprazole, inibidor da bomba de protões para tratamento de refluxo gástrico) por outros medicamentos semelhantes, o risco de ser receitada uma interação na polimedicação nesta população reduz-se em 23% para mulheres e 20% para homens, reduzindo significativamente também a diferença entre sexos neste problemacom a substituição de um único medicamento!

A recomendação dessa ou de outras substituições poderia ser facilmente implementada com a introdução de um sistema de alerta robusto, na prescrição, nas farmácias ou no acompanhamento de cada paciente. Além de melhorar a saúde dos pacientes, o que deve ser o principal objetivo ético, a redução dos problemas inerentes à polimedicação especialmente numa população envelhecida pode certamente levar também à redução de custos. Uma estimativa conservadora que fizemos da hospitalização por interações medicamentosas, conclui que os seus custos no estado brasileiro de Santa Catarina (população 7 milhões bem mais jovem que a de Portugal e com menos medicamentos disponíveis) ascendem a entre 21 a 61 milhões de dólares americanos por cada 18 meses .

Contruir alertas para possíveis interações ou reações adversas em polimedicação não só é relativamente fácil de fazer, como imensos sistemas de saúde os têm.  Uma vez que existe um sistema nacional de códigos de prescrição, é também possível fazer um sistema nacional de alertas integrativo para médicos no ato da prescrição, farmácias no ato da venda ou no acompanhamento de pacientes por gestores de saúde publica. No caso das interações e reações mais perigosas conhecidas, uma receita deveria acionar um alerta para que o médico confirme a necessidade de prescrever um medicamento que se sabe causar potenciais problemas graves na presença de outros já prescritos ao mesmo paciente (de que o médico pode nem estar ciente), bem como a recomendação automática de alternativas. Também o próprio paciente deveria receber alertas, já que os folhetos informativos de cada medicamento são normalmente de difícil compreensão.  Preocupamo-nos muito com a privacidade dos dados, mas pouco com a ética de se prescrever polimedicação sem informar pacientes de potenciais problemas associados.

Em Portugal, mesmo contactando as entidades responsáveis ao abrigo de projetos da FCT especificamente desenhados para se utilizar a ciência de dados e a inteligência artificial na administração pública, é muito difícil obter dados de prescrição médica para investigação científica. De facto, é muito difícil saber qual a verdadeira escala deste problema, muito menos implementar mecanismos para melhorar os resultados e custos de saúde associadosao contrário da Catalunha e Dinamarca que disponibilizam estes dados sobre toda a sua população durante décadas. Seguindo esses exemplos excelentes (que utilizam todas as normas europeias de privacidade e segurança) na utilização de dados ao serviço do bem-estar da população, está mais do que na hora de se levar a sério o problema da polimedicação, disponibilizando os dados de prescrição nacionais com vista à implementação de ações especificas para melhor servir a saúde publica nacional.


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2024-01-20

 

Mighty Blue Monday

Have been wanting to do this for a while and finally had a chance. A DJ set to celebrate New Order's Blue Monday. A lot of 4-track DJing in three parts to cover the tracks that influenced Blue Monday (Part I: Origins), those that it inspired (Part II: Reaction), and those that were tapping the same influences (Part III). Many more tracks could be included, but I did not want to make this long. Tracklist and podcast below. is also available on E-Trash's site (Username: apollo, Password: feelingfree).



PlaceboOracle and E-Trash · Mighty Blue Monday





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2024-01-02

 

Hey City Zen 2023

2023 was another hardworking year, full of fun travel  for work and with friends and family. Unfortunately, war, horrible World leaders and nationalism made it particularly sad and dangerous! Despite it all,  I continued to DJ #happymusic to full clubs again. Every year is a great year for music, with such amazing tracks, even if perhaps fewer great albums. I am sure I missed really excellent stuff, but here is the best City Zen of the year that made my radar. Top 40 Albums (plus a few live collections), Top 100 Tracks, Top 20 Remixes/Edits (from E-Trash's DJ sets). The top tracks and remixes are assembled in a Spotify List as well.



Top 40 Albums of 2023

Grouped alphabetically in 4 groups below. 

Diamond Cut

There were 10 albums that stood above the rest. From dance manifestoes to new blues, these are amazing and creative from start to finish. 

The Chemical BrothersFor That Beautiful Feeling
Everything But the GirlFuse
Folamour Manifesto
GabrielsAngels & Queens – Part II
Róisín Murphy Hit Parade
The Pretenders Relentless
Olivia RodrigoGUTS
The SparksThe Girl is Crying in her Latte
SupershyHappy Music
TensnakeStimulate


Platinum Set

These 6 albums, coming from very distinct genres,  are almost flawless and I could not get enough of them:

Blur  – The Ballad of Darren 
Dadi Freyr – I Made an Album
Macklemore – BEN
Jalen Ngonda – Come Around and Love me
The Rolling Stones – Hackney Diamonds
Romy – Mid Air


Gold Circle 

ANOHNI, and the JohnsonsMy back was a bridge for you to cross
Corine R 
The Legendary Tigerman ZEITGEIST
Donny McCaslin I want More
Kylie MinogueTension 
The National First Two Pages of Frankenstein 
Meshell NdegeocelloThe Omnichord real Book 
Portugal. the ManChris Black Changed my Life
Tiga & Hudson MohawkeL’Ecstasy
Jessie Ware That! Feels Good 


Silver Line

Isabelle AdjaniAdjani, bande originale
AmaaraeFountain Baby
Bakermat From a Bakermat Point of View
Lana Del ReyDid you know that there’s a tunnel under Ocean Blvd
Depeche ModeMemento Mori
Alison GoldfrappThe Love Invention
Mayer HawthorneFor All Time
JungleVolcano
Janelle MonáeThe Age of Pleasure
Aya NakamuraDNK 
Caroline PolacheckDesire, I Want to Turn Into You
Poolside  – Blame it all on Love
Iggy PopEVERY LOSER
Benny SingsYoung Hearts


Best Live and Soundtrack albums of 2023

Kirsty MacColl Live at the Jazz Café (London 12 October 1999)
Rosa PassosSamba Sem Você (Live at Copenhagen Jazzhouse 2001)
Cat PowerSings Bob Dylan: The 1966 Royal Albert Hall Concert
Nina SimoneYou’ve Got to Learn (Live)


Best EPs of 2023

Three EPs were on rotation a lot, with more good tracks than many albums:

BellaireSunset Ballad 
Channel Tres Real cultural shit 
Jon DixonMusicality
Pet Shop Boys Lost 


Top 100 Tracks of 2023

The best way to display this is via a Spotify list which also includes the remixes below at the end. I created the list to be listened to in the order shown, but can also be listened to at random of course:



Top 20 Remixes and Edits of 2023


So many great remixes and edits this year. There were definitely 4 above the rest, which took the original into another place of excellence. All remixes, edits and mashups below elevate the originals either into a whole different place, a distilled essence, or simply make it work so well on the dance floor.  It is great when a track has two great lives, which is a remix at its best:

ParamoreC’est Comme ça (Re: Wet Leg)
The Rolling Stones Mess it up (Purple Disco Machine Remix)
Wham! Club Tropicana (Sigala & Manovski Balearic Breeze Remix)
Yard ActThe Trench Coat Museum (Arthur Baker Remix)


The remaining awesome remixes alphabetically:

Bosq & KaletaMeji Meji (Folamour Remix)
BT Kintsugi (Siskin Remix)
David BowieGolden Years (TOKiMONSTA Remix)
ChromeoWord with you (Tchami Remix)
Gal CostaFlor de Maracujá (Bruce Leroys *Aureum Remix))
Cristalli LiquidiRosso Carnale (Bottin’s Fast Tape Dub)
GabrielsLove and Hate in a Different Time (Greg Wilson & Ché Wilson Full-Length Remix)
Alison Goldfrapp The Beat Divine (Theo Kottis Remix)
Felipe GordonFor Martha (Kai Alcé NDATL ClubJazz Remix)
Jayda GScars (Kerri Chandler Edit)
Kraak & SmaakLet’s Go Back (Joe Goddard Remix)
Klaus NomiThe Cold Song (Arnaud Rebotini Remix)
Rita OraPraising you (Fatboy Slim Remix)
Portugal. the Man feat. Unknown Mortal Orchestra Summer of Love (Bakermat Remix)
RoyksoppFeel It (LP Giobbi Remix)
Xinobi La Tormenta (Adam Ten & Mita Gami Remix)






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2023-11-28

 

Jovens Reduzidos a um Número

Nota: este artigo é uma versão mais longa (com mais dados) de artigo publicado no jornal Público no dia 27 de Novembro de 2023

Foi recentemente divulgado o primeiro estudo significativo sobre a saúde mental dos alunos da Universidade de Lisboa (UL), indicando uma situação preocupante: apenas 36,4% dos alunos se dizem motivados para realizar o seu trabalho académico, e só 14,5% se sentem bem a maior parte do tempo. Pelo menos um quarto dos alunos é identificado com ansiedade (26.4%) ou depressão (25.2%), com 15,3% qualificados em situação extrema de stress, isto é, em burnout. O estudo não foi publicado e não conhecendo a metodologia exata, a comparação com outros estudos é difícil. Mas sendo uma estimativa correta e comparável, a saúde mental na UL estará muito pior do que nas universidades americanas onde ansiedade e depressão afetam cerca de 12 e 9% dos alunos respetivamente,[LR1]  mas abaixo de níveis observados no Reino unido (42,1% com ansiedade e 34,5% com depressão)[LR2] .

A subordinação e submissão involuntária por tempo prolongado é um fator conhecido na ansiedade e depressão e na relacionada falta de motivação. Por outras palavras, estas patologias são prevalentes em contextos em que as pessoas não têm controlo sobre as suas vidas, especialmente em jovens. Não é, pois, de estranhar que depois de tantos anos num sistema educacional onde têm pouca escolha ou controlo sobre a sua vida, tantos alunos se sintam desmotivados e com patologia mental severa.

A filósofa de educação italiana Maria Montessori, disse em 1951 na UNESCO que as “crianças e jovens são uma população sem direitos que é crucificada em bancos de escola por toda a parte e que---apesar de toda a nossa conversa sobre democracia, liberdade e direitos humanos–está escravizada na ordem escolar, por regras intelectuais que nós lhe impomos.” Também Paulo Freire, na sua pedagogia dos oprimidos de 1968, qualificou o sistema de educação tradicional como “educação bancária,” onde alunos são “como um cofre vazio em que o professor acrescenta fórmulas, letras e conhecimento científico até [os] ‘enriquecer’.” É assim que muitos educadores modernos ainda pensam a escola, daí tanta conversa sobre medir “aprendizagens perdidas”– como se o conhecimento fosse descarregado em fardos de conteúdos platónicos para professores depositarem nos cofres vazios dos alunos, em vez de um processo corpórea de pesquisa automotivado como é visto pela ciência cognitiva




Infelizmente, como Montessori, Freire e outros argumentaram, esta forma de organizar a escola cria um diferencial de poder entre aluno e professor/sistema educativo que retira ao aluno o controlo sobre a sua vida, a sua agência humana, tão importante para a saúde mental. O objetivo desta submissão involuntária imposta aos alunos, será produzir trabalhadores submissos que aceitem desigualdade e injustiça com naturalidade – argumento desenvolvido por estes e outros pensadores, como Daniel Greenberg ou Louis Althusser, mas fora da razão deste artigo.  

Existem muitos pontos na educação portuguesa onde se poderia substituir professores-autoridade “descarregarregando aprendizagens”, por pesquisa corpórea e automotivada. Do infantário à universidade, a escolha curricular, empenhamento físico e automotivação deveriam ser a norma, não a exceção. Mas foco-me no ápice da educação pré-universitária, quando após 12 anos com raras oportunidades de escolha e automotivação sem ser fora da escola, cada aluno fica marcado e reduzido a um número: a sua média de notas (de cadeiras chave e exames).  É este numerus clausus que decide os cursos universitários a que jovens podem aceder, independentemente da sua real vocação ou desejo. É interessante que em latim este termo quer dizer “número fechado,” porque é realmente numa clausura de difícil acesso que o nosso sistema educativo coloca a universidade. É, pois, natural que grande parte dos jovens rejeitados da sua vocação se sintam sem livre-arbítrio sobre a sua própria vida, seguindo-se a desmotivação como grande fator de depressão e ansiedade.

Embora muitos defendam o numerus clausus como a forma mais justa de selecionar os melhores alunos, é sabido que as notas escolares dependem de fatores como escolaridade publica ou privada, dinheiro e educação da família, e até do género (raparigas tendem a ser mais motivadas e rapazes de contextos desfavorecidos têm pior aproveitamento do que raparigas na mesma situação.) Já os exames com tempo limitado também não escolhem necessariamente quem é mais apto a resolver até os problemas dos próprios exames (e tendem a enviesar a favor de rapazes.)  Além disso, a pretensa meritocracia do numerus clausus é uma tautologia: o sistema académico define o que é considerado “melhor” e depois declara que os aceites são os “melhores”.  Mas onde está a demonstração que as médias e exames mais altos identificam as pessoas mais aptas para determinada profissão? Alguém acha que os melhores médicos se escolhem pela capacidade de receber e memorizar “aprendizagens” de Português ou Biologia no ensino secundário?

Mais fundamentalmente ainda, mesmo que tivéssemos uma medida perfeita de mérito (que não é possível por não sabermos como medir e priorizar tipos diferentes de inteligência), porquê selecionar só os melhores para determinados cursos? Quando o número de pessoas que podem entrar na clausura é muito limitado, a falsa meritocracia (tautológica) reduz a diversidade de pessoas treinadas para determinada profissão, sem garantir aptidão. De facto, a maioria dos alunos que entram nos cursos com médias de entrada mais altas – que são os que levam a profissões mais bem pagas – têm pais com educação universitária e nível socioeconómico mais elevado. Portanto, o numerus clausus reduz a diversidade propagando privilégio e elitismo.

É importante frisar que o numerus clausus não é a única forma de organizar o acesso ao ensino superior. Nas universidades de topo dos EUA a nota de exames é opcional, sendo o acesso decidido por fatores múltiplos como currículo académico, entrevista, atividades extracurriculares, ensaio, etc. Na Bélgica e na França, que levam o direito constitucional de acesso à universidade a sério, os alunos entram no curso que querem (com algumas restrições para cursos como medicina e engenharia civil).

Críticos do sistema de acesso livre vigente na Bélgica e na França, avisam que nesses sistemas o entrave simplesmente acontece mais tarde, porque os alunos têm de passar provas difíceis após os primeiros anos na universidade, havendo quem tenha de mudar de curso ou mesmo não acabe a universidade. Mas a comparação com Portugal não mostra isso. Segundo dados da OCDE, a percentagem de alunos que não completam o curso em que entraram (após 3 anos da duração teórica do mesmo) é de 72% em Portugal, 71% em França, e 68% na Bélgica Flamenga---na Bélgica Francófona o valor é 52%, mas não é diretamente comparável porque se refere apenas a escolas de elite (hautes écoles e écoles des arts), enquanto nos outros países se refere a todos os bacharéis/licenciaturas.  É importante notar que no caso da França e da Bélgica os alunos entram nos cursos que quiserem, enquanto em Portugal a base da proporção apresentada refere-se apenas aos alunos que passam o numerus clausus. Isto é, mesmo impedindo grande parte dos alunos de entrarem no curso que querem, a proporção de alunos em Portugal que termina os cursos em que entram é muito semelhante à de países onde entram todos no curso que querem!

Mas a situação é ainda mais embaraçosa se considerarmos a proporção de alunos que termina um curso STEM (ciência, tecnologia, engenharia ou matemática), no mesmo (ou noutro) campo e nível, mas não necessariamente no curso em que primeiro entraram: cerca de 63% (71%) em Portugal contra 74% (77%) na Bélgica Flamenga (OECD não apresenta estes dados para França). Em suma, muito menos alunos acabam cursos STEM[1] em Portugal após numerus clausus, do que na Bélgica Flamenga onde os alunos entram no curso que querem após terminar o secundário! Isto é, não há qualquer vantagem em excluir à partida alunos dos cursos em que eles querem entrar, retirando aos jovens o controlo sobre as suas próprias vidas, com enorme custo para a sua saúde mental e realização pessoal.

É importante frisar que é uma decisão política não dar aos jovens maior controlo sobre a sua educação e acima de tudo bloquear escolhas importantes para a sua vida futura. Apesar da revolução de abril há quase 50 anos, e a promessa de acesso ao ensino superior para todos da constituição que se lhe seguiu, não houve ainda revolução do modo de ensino. Continuamos a querer produzir trabalhadores submissos e habituados a conviver com a desigualdade da autoridade, com grande custo para a sua saúde mental e realização pessoal.  Não tem de ser assim, não temos que nos habituar a tudo. Se queremos criar agentes de mudança saudáveis, com garra para a inovação, temos de começar por dar aos jovens maior controlo sobre as suas vidas, em vez de os reduzir ao número que os fecha fora da sua vocação e motivação.


 



[1] Noto que a proporção de alunos que completam cursos STEM é muito pior para homens do que para mulheres, 59% para 80% em Portugal e 67% para 85% na Bélgica Flamenga. Um assunto importante, mas separado.

 


 [LR1]Pedrelli, P., Nyer, M., Yeung, A. et al. College Students: Mental Health Problems and Treatment Considerations. Acad Psychiatry 39, 503–511 (2015). https://doi.org/10.1007/s40596-014-0205-9

 [LR2]Paul E. Jenkins ,  Imogen Ducker , Rebecca Gooding , Megan James & Emily Rutter-Eley (2021) Anxiety and depression in a sample of UK college students: a study of prevalence, comorbidity, and quality of life, Journal of American College Health, 69:8, 813-819, DOI: 10.1080/07448481.2019.1709474

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2023-08-08

 

Shake it!

Have not posted a set in a while, so here is the first hour of a live DJ set last July at Roterdão Club in Lisbon's Pink Street. It starts with respect for the great Tina Turner, setting the tone for a party aimed mostly at shaking the booty. Tracklist and podcast below. Shake it! is also available on E-Trash's site (Username: apollo, Password: feelingfree).








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2023-01-27

 

What a Street Feeling!

I really loved going back to live DJing in 2022, mostly at Roterdão Club in Lisbon's Pink Street. Here is a mix of various bits from those sets I collected the bits most inspired --- but not exclusively --- by 80s electro-disco from New York City. Tracklist and podcast below. What a Street Feeling! is also available on E-Trash's site (Username: apollo, Password: feelingfree).








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2022-12-27

 

Hey City Zen 2022

2022 was a hardworking year, though full of fun travel and reconnection with friends and family---thank you vaccines! I was particularly delighted to get back to DJing to full clubs again. Every year is a great year for music, with such amazing tracks, even if perhaps fewer great albums. I am sure I missed really excellent stuff, but here is the best City Zen of the year that made my radar. Top 40 Albums (including soundtracks and live collections), Top 100 Tracks, Top 20 Remixes/Edits (from E-Trash's DJ sets). The top tracks and remixes are assembled in a Spotify List as well.

Top 40 Albums of 2022

Grouped alphabetically in 4 groups below. 

Diamond Cut

There were 10 albums that stood above the rest. From casino rock to house music, these are amazing and creative from start to finish. 

Arcade Fire WE 
Arctic Monkeys The Car 
Beyoncé – RENAISSANCE
Honey Dijon – Black Girl Magic
Hot Chip Freakout/Release
Metronomy Small World 
Ana Moura – Casa Guilhermina
Rosalía – MOTOMANI 
Röyksopp – Profound Mysteries II
Harry StylesHarry’s House

Platinum Set

These 5 albums, coming from very distinct genres,  are almost flawless and I could not get enough of them:

Kendrick LamarMr. Morale & the Big Steppers
Soft CellHappiness Not Included
StromaeMultitude
Louie Vega – Expansions in the NYC
XinobiBalsame

Gold Circle 

Charlotte Adigéry and Bolis Pupul – Topical Dancer
Asa – V 
Yaya Bey – Remember your North Star
David Fonseca – Living Room Bohemian Apocalypse
Lucius – Second Nature
Red Hot Chili Peppers Return of the Dream Canteen
Röyksopp – Profound Mysteries I
Sault – 11
Jimi Tenor – Multiversum
The Weeknd – Dawn FM
Wet LegWet Leg

Silver Line

Charli XCXCRASH 
Christine and the QueensRedcar les adorables étoiles (prologue)
Danger Mouse and Black Thought Cheat Codes
Florence + The Machine Dance Fever
Cate Le Bon Pompeii
Sondre Lerche – Avatars of Love 
Maria João e OGRE ElectricSongs for Shakespeare
Marxist Love Disco Ensemble MLDE
Röyksopp Profound Mysteries III 
Sudan ArchivesNatural Brown Prom Queen 
Ron TrentWhat do stars say to you
The Weather StationHow is it that I should look at the stars? 

Best Live and Soundtrack albums of 2022

David Bowie – Moonage Daydream: A Brett Morgan Film
Cazuza O Tempo Não Para: O Show Completo

Best EPs of 2022

Three EPs were on rotation a lot, with more good tracks than many albums:

Benny Sings – Santa Barbara
Body Music and Bosq Give my Love a Try
Felipe Gordon Superimposition

Top 100 Tracks of 2022

The best way to display this is via a Spotify list which also includes the remixes below at the end. I created the list to be listened to in the order shown, but can also be listened to at random of course:



Top 20 Remixes and Edits of 2022


So many great remixes and edits this year. There were definitely 4 above the rest, which took the original into another place of excellence. All remixes, edits and mashups below elevate the originals either into a whole different place, a distilled essence, or simply make it work so well on the dance floor.  It is great when a track has two great lives, which is a remix at its best:

David Bowie Modern Love (Moonage Daydream Mix)
Cerrone Summer Lovin’ (Purple Disco Machine Remix)
Gorillaz feat. Tame Impala and Bootie Brown New Gold (Dom Dolla Remix)
Wet Leg – Too Late Now (Soulwax Remix)

The remaining awesome remixes alphabetically:

2raumwohung Bei Dir bin ich schön (Ian Pooley Remix)
David Bowie – Word on a Wing (Moonage Daydream Mix)
Marvin Gaye Let’s Get it On (Flight Facilities Remix)
Nina SimoneFeeling Good (Joel Corry Remix)
Goldie and James Davidson feat. La Meduza – Breakout (Mella Dee Moody Gaff Remix)
Halsey – So Good (Jax Jones Remix)
Hot Chip – Broken (Jacques LuCont Mix)
Loverush UK! Feat. Boy George and Rozy Yarnold – London Calling Paris (Boys’ Shorts Remix)
Lufthaus feat. Robbie Williams – Soul Seekers (Booka Shade Remix)
Metronomy – It’s good to be back (Metronomy x Panic Shack)
Kylie Minogue – Can’t get you out of my head (Peggy Gou’s Midnight Remix)
William Orbit – Starbeam (Dosem Edit)
Ryuichi Sakamoto – Merry Christmas Mr. Lawrence (Electric Youth Remodel)
Souleance GUILI (Art of Tones Remix)
The Weeknd Out of Time (Kaytranada Remix)
Xinobi feat. Meta_ - Mujer (Anja Schneider Remix)



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2022-12-19

 

Conhecimento não é descarregado

Muito me irrita a assunção circular inerente em quase toda a discussão sobre educação: que qualquer sucesso de conhecimento/inteligência advém da educação escolar. Isto é, apenas a escola pode "dar" conhecimento. Não, alguns têm sucesso *apesar* da escola (e.g. Ada Lovelace), e a maioria das pessoas criativas, ou que têm dificuldade em estar passivamente a "receber informação" têm imensas dificuldades na escola. Meti "dar" e "receber informação" entre aspas porque esse é o ponto fulcral do erro do modelo (Cartesiano) de escola que temos: conhecimento não é algo que se dá e se recebe como se fosse empacotado em fardos de batatas e descarregados por instrutores para as cabecinhas de meninos ligados às secretárias, com se fossem baterias na Matrix. O conhecimento é criado por cada um, de uma forma corpórea.

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2022-11-16

 

The universal part is powerful

Raphaël Glucksmann's "Lettre à la génération qui va tout changer" is a very exciting read. It made me feel very connected to younger generations and the possibility of change. It also highlights how much of a losing proposition identity politics is, with its ultimate reduction of the Republic to individuals and their identities. Effective action --- and indeed the pleasure of being in a Republic, a city --- lies in the universal, not in the individual aspects of citizens. Unity is Powerful.

"'To restore the republic everywhere' is to restore every citizen to the command post in each of us. We are more than men and women, more than rich and poor, more than believers or atheists, more than Christians or Muslims, more than black or white, more than heterosexual or homosexual, more than individual persons: we are citizens. There is a universal part of us that fades away when we don't cultivate it, when we don't regularly make the effort to get out of ourselves".




The Style Council - Walls Come Tumbling Down (Live Aid)

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Antirracismo seria desconstruir a raça. Meu nome é Gal!

O antirracismo não é extremo oposto do racismo, mas a maioria das suas vertentes em vez de desconstruirem, perpetuam as bases do racismo colonialista num ciclo Nietzschiano deprimente. Os movimentos antiracistas normalmente usam as mesmas categorias herdadas do colonialismo para definir pessoas. Podem até vestir essas mesmas categorias na linguagem da política identitária, mas não as destroem, antes pelo contrário. Por exemplo, o conceito de "pessoa racializada" não é mais do que o conceito racista e colonialista de alguém que não é branco puro (um conceito muito nefasto especialmente no colonialismo britânico e holandês, mas não só.) Um verdadeiro antirracismo iria contra a própria noção de raça, deixando para trás de uma vez por todas conceitos colonialistas como Africa ser negra e a Europa ser branca, africanos serem negros, europeus brancos, ou haverem pessoas brancas e outras "racializadas/manchadas". Esses conceitos não existiam nas épocas clássicas e medievais. Está na altura de nos libertar-mos dos nacionalismos e racismos que só apareceram com o nascimento de estados modernos. Para este debate é importante não esquecer que conceito de raça é social, quase nada biológico. Por isso, por um lado é muitíssimo importante porque a nossa vida é social, mas por outro lado, em última análise, é uma escolha individual e social continuar a usar e focar a luta pela igualdade de todos no conceito de raça---especialmente baseada na re-etiquetagem das divisões racistas criadas pelo colonialismo.

P.S. Meu nome é Gal! Viva o tropicalismo, verdadeira antropofagia de libertação, onde todas as raças são devoradas até à irrelevancia. Bullworth said it best.



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2022-08-27

 

Homem Rock Liberta-te!

Muito se tem falado sobre os Coldplay ultimamente. Desconfio muito dos que menosprezam o valor da banda porque "homens do rock" têm sempre muita dificuldade em aceitar as bandas bonitinhas, especialmente as lideradas por homens atraentes---talvez até porque sintam essa atração de forma homofóbica. É interessante depois ver e ler algumas mulheres seguir esse preconceito para serem parte da intelligentsia cultural, mas isso é outro assunto. Isto foi visto no ódio racista e homofóbico dos roqueiros ao disco nos anos 70 e 80. Mas o maior paralelo com os Coldplay são os Duran Duran nos anos 80 (e até Bowie anteriormente). Raro era então o homem que assumia gostar---e mulher quer quisesse ser parte da intelligentsia do "sete" e "Blitz" também. Era pop plástica maquilhada, e o verdadeiro artista queria-se grunge e feio, tais Jaques Brels recusando falar com o "maricas" do Bowie. Mas hoje quando passo música deles, o pessoal mais velho que na altura supostamente detestava, salta todo para a pista, hungry like the wolf, como se fosse a música da vida deles. O importante é viver la vida e gostar sem preconceitos. Não gosto de tudo dos Coldplay, mas não duvido que marcam imenso o presente e que quem desdenha agora, um dia vai ouvir com nostalgia.

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2022-03-03

 

Systems Anarchist?

Jewels one finds unpacking book boxes after a move: a lovely collection edited Joe Peacott "Against Separatism." I could be an anarchist, a "systems anarchist," but I know that to be a contradiction in terms, with its implicit organizing principles of collective behavior and evolution---essential for resilience in the face of great challenges like pandemics and climate change. But it is hard to ignore that nationalism, and all associated identitary "isms", pit us all against one another as class representatives. At the same time, pure or radical anarchic individualism easily destroys liberal society and the robust shelter it brings to individual freedom. 

Liberal society, as an ideal, is anarchist in the nonradical sense that it aims to maximize individual freedom without special privilege or rules given to any class/group, but it also has to be organized around society and its collective survival. So it cannot escape the establishment of at least one class defining membership in the society: that of citizen. The challenge is how global and humane can such a class become for a given society not to disintegrate? I don't know the answer, obviously. I also know that liberal society has been very far from its ideal in curbing privilege---though still much better than any other alternative (illiberal) society we have seen. But the last century has shown that all nationalism and indeed identity politics only take liberal society further away from that nonradical anarchist ideal. 

Anyway, some interesting quotes from the little book:

"The primary problem with most leftist positions is that they promote group interests over individual interests and further isolate people from each other." From Anarchists and the left, Joe Peacott

 "Nationalism, like feminism, is based on the primacy of groups over individuals. Nationalists believe that 'nations' oppress other 'nations.' Anarchists, on the other hand, contend that some people oppress other people". From Anarchists and the left, Joe Peacott

"The ideal political categories of marxism prevent us from seeing the concrete individuals in our lives; instead we see the classes of which each individual is but a representative. As a consequence, we often treat the people we first encounter in everyday life, not as themselves as morally autonomous individuals with their own particular histories but as abstract class tokens with one collective history." From The Politics of Identity and Difference: Gynocentrist vs. Polyandrogynist Visions by Peter Cariani.  

"Perhaps the worst danger of nationalist strategies is that they do not eradicate the oppressive distinction on which the oppression is built. In the process of organizing along nationalist lines, it is necessary to create a strong group identity ("class consciousness"), and a strong sense of the Other." From The Politics of Identity and Difference: Gynocentrist vs. Polyandrogynist Visions by Peter Cariani.



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2022-03-01

 

Ser emigrante português é ser cidadão de décima classe e deixa muitos democraticamente apátridas

Publicado em Público, 22 de Março de 2022

A controvérsia sobre o voto da emigração que foi anulado e levou à remarcação das eleições nos círculos europeus, ofusca uma muito maior afronta à cidadania dos emigrantes consagrada na lei eleitoral: os seus votos contam apenas para 4 dos 230 deputados da Assembleia da República.  

Segundo o Relatório da Emigração de 2020 no Portal das Comunidades Portuguesas, em 2019 mais de 2.6 milhões de cidadãos portugueses nascidos em Portugal encontravam-se a viver no estrangeiro números que não incluem os cidadãos portugueses filhos desses 2.6 milhões (os chamados, Luso-descendentes). Portanto, os cerca de 10 milhões cidadãos residentes em Portugal elegem 226 deputados, enquanto os 2.6 milhões de cidadãos residentes no estrangeiro elegem apenas 4. Aproximadamente 44 mil residentes elegem cada deputado, mas são precisos 650 mil emigrantes para conseguir o mesmo. Isto é, em termos de representatividade democrática, um cidadão emigrante vale 7% dum cidadão residente. Para caracterizar esta discrepância na representatividade de pessoas que são todas supostamente cidadãs da mesma República, o epíteto cidadão de segunda não chega, mais correto seria dizer que os emigrantes são cidadãos de décima classe.

É interessante notar tantos artigos em Portugal sobre injustiças nas democracias dos outros, mas tão pouco debate sobre este tratamento tão discriminatório de concidadãos na nossa própria democracia. Quando tento abordar este tema oiço várias justificações que penso valer a pena discutir. Num extremo, há quem diga que os emigrantes nem se quer deviam ter deputado nenhum. É espantoso, mas infelizmente comum, que haja quem abertamente defenda que se deve retirar a cidadania a concidadãos por estarem a residir e trabalhar fora de Portugal em determinado momento. É importante notar que não é normal que tal aconteça em democracias ocidentais. Por exemplo, apesar dos problemas eleitorais que os media portugueses adoram discutir, um cidadão americano não perde qualquer representatividade democrática por viver noutro país por qualquer período de tempo−devo dizer que tenho dupla cidadania americana e portuguesa.

Uma justificação menos extrema tem a ver com o conceito de representação material no processo legislativo. Deste ponto de vista, os emigrantes, por não viverem em Portugal, são vistos como cidadãos não vinculados às leis que o parlamento delibera. Isto é, os emigrantes são vistos como cidadãos apenas simbolicamente e não materialmente – ligados à República. Daí a sua representatividade dever ser apenas simbólica. Nesta perspetiva, os emigrantes são tipo aqueles estrangeiros que gostam da seleção portuguesa de futebol, mas não “arriscam a pele” em Portugal−não têm “skin in the game” para usar a expressão que Nassim Nicholas Taleb tanto gosta.

Esta visão do emigrante eternamente desterrado – e daí desacoplado materialmente da Républica −está obviamente ultrapassada no mundo global do século XXI, especialmente para emigrantes na União Europeia, nos países lusófonos e até nos parceiros atlânticos.  Em meados do século XX talvez ainda fizesse sentido pensar que os emigrantes fossem em barcos para portos distantes dos quais nunca mais regressavam. Mas não é isso que se passa hoje. Os emigrantes, que pertencem a todas as áreas e níveis de educação, vão e vêm, têm em Portugal filhos, pais, família, propriedade, investimentos, produção intelectual e criativa, etc. Grande parte deles estão tudo menos desacoplados da Républica.

Só uma visão muito paroquial pode pensar que os cidadãos emigrantes não estão materialmente envolvidos no país e que devem ser excluídos ou apenas incluídos simbolicamente. Permitam-me partilhar um pouco mais da vida pessoal apenas para exemplificar o tipo de relações bidirecionais, concretas comuns a muitos outros emigrantes. Sou professor universitário e cientista há 30 anos nos EUA. Mas faço contribuições materiais e intelectuais diretas para Portugal diariamente e, vice-versa, é óbvio que as leis deliberadas pelo parlamento me vinculam como cidadão. Os meus filhos, nascidos e crescidos nos EUA, decidiram viver em e contribuir para Portugal. Porquê que o meu voto deve contar apenas 7% do voto de qualquer outro cidadão que tenha contribuído materialmente, intelectualmente e geracionalmente para Portugal? Noto que os EUA não retiram aos meus filhos o direito de voto a 100% para qualquer eleição no círculo nacional em que estão registados por estarem a viver em Portugal (e terem dupla cidadania). E porque haveriam de retirar? Contribuímos para ambos os países a todos os níveis, incluindo em patriotismo.

Uma outra justificação, ou receio, é que dado o elevado número de emigrantes, se estes tivessem a mesma representatividade, Portugal poderia ser governado “por telecomando” por quem não vive no país. Pelo que escrevi acima, é claro que pelo menos grande proporção está materialmente envolvida, com muita “skin in the game” em Portugal. É perfeitamente razoável que a Républica institua critérios para que a cidadania seja mantida por exemplo, os cidadãos americanos têm que pagar impostos aos EUA onde quer que residam, havendo acordos bilaterais com grande parte dos países para evitar dupla taxação. O que não é razoável é que a cidadania seja retirada para os simbólicos 7%. Até porque a experiência de 2.6 milhões de emigrantes deveria ser valorizada na deliberação democrática. Afinal, quem melhor do que eles para saber porque tiveram que sair do país? Ou quais os mecanismos que permitem fazer carreiras produtivas noutros lugares? Pode Portugal continuar a dar-se ao luxo de ignorar esse feedback político? Quem tem medo dele? Talvez um pouco mais de “telecomando da emigração” no poder ajude a desenvolver um país em que os jovens não tenham que emigrar mais.

É importante também ter em atenção que grande parte dos emigrantes portugueses não tem outra nacionalidade. Quando Portugal lhes retira a sua representatividade, reduzindo-a a 7% dos outros cidadãos, a grande maioria não tem representatividade eleitoral noutro país. Ficam assim democraticamente apátridas. Essa situação na qual estive durante mais de 20 anos − é uma afronta aos direitos de cidadania, e não deveria ser constitucional.  Não me admira que a maioria dos emigrantes não vote e ache esta última controvérsia hipócrita e apenas usada para jogo partidário. Aliás, dada tamanha discriminação, advogo um movimento de desobediência civil. Sugiro que é do interesse democrático que os emigrantes se mantenham registados em círculos eleitorais nacionais em vez dos círculos de emigração onde residem. Bem como organizarem-se em partidos com representação parlamentar que advoguem pelo fim desta discriminação.

Ignorar a cidadania dos que tiveram que sair por falta de oportunidade estará porventura enraizada num país que no fundo ainda age como metrópole de uma Républica imperial, com uma noção de nacionalidade desatualizada.  São tiques de superioridade difíceis de ser reconhecidos por um regime que imagina que exorcizou os fantasmas do antigo regime. Mas quem como eu nasceu “branco de segunda” em Angola, está farto de ser tratado como cidadão de décima classe num país para o qual já tanto contribuiu.


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